sábado, 29 de dezembro de 2018

Família.

Um dos principais desafios para esse ano foi entender qual era enfim meu conceito de família e como eu me encaixava nisso tudo. A referência das propagandas de margarina estavam longes demais da minha experiência pessoal, mas longe de mim ser enganado pela mentira da publicidade, logo eu maior defensor da verdade parcial que paga minha contas, mas mesmo o que eu observava em minha volta ainda estava longe do que eu tinha vivido. A distância era a palavra-chave, distância majoritariamente geográfica e distância emocional quando analisada mais de perto. Como se tivesse nascido em um lugar que não estava preparado para me receber (e sendo hoje mais ou menos da idade que meus pais me tiveram entendo que nós adultos sabemos muito menos sobre o mundo do que minha própria versão infantil imaginava). A ausência de certos comportamentos e exemplos que eu julgava necessários me fez procurar em outros lugares valores e modelos que se adequavam melhor ao que eu entendia como caminho. E a própria contraposição ao que me era apresentado surgiu como um guia moral e ético muito forte durante minha formação. Disso tudo me encontrei como família na relação com meus amigos, o mais próximo de confiança e inspiração que eu achei. Mas adentrando os labirintos de minha cabeça (um que eu tateei em busca de uma saída em algum texto do começo do ano) encontrei que não estava muito certo se esse caminho era o que eu precisava. E agora, com a cabeça pronta para encontrar padrões e as respostas que procuro, vim mais uma vez passar as festividades de fim de ano perto deles que são minha família de sangue e batismo cristão, mais até do que a outra família de sangue e batismo cristão da qual a distância é ainda mais marcada. E, com o olhar mais atento pude perceber os padrões familiares (com perdão do trocadilho) em toda e qualquer família. Os primeiros dias foram surpreendentemente tranquilos, sem grandes embates ou emoções, mas estando aqui um pouco mais que o habitual, consegui presenciar a personalidade de cada um escapar em pequenos momentos dentro da grande celebração das boas festas que vivemos. Momentos bons e ruins, embates e carinhosos que mostram os humanos que existem em nós, e, dessa vez, mostram também as relações de pais, filhos, irmãos, cunhados e tudo o que o Manual da Propaganda de Margarina diz para mostrar ou esconder. E pude então reconhecer uma família, minha família, mesmo que eu mesmo como expectador consciente do processo tenha escolhido não entrar em embates políticos ou pequenos dilemas. Uma família da qual faço parte e sou muito bem vindo, principalmente quando em pequenas doses como mediador ou incentivador. Uma curva na rotina de uma família que, como todas as outras, se ama mas está cansada de si. Um catalisador de momentos diferentes, um apaziguador de ânimos e um alívio de tensão. Meu papel é estar distante o suficiente para não se desgastarem de mim e comigo, mas próximo o suficiente para manter-me presente. A distância geográfica cai como uma luva em uma mão desgastada, mas hoje entendo o que tenho. Uma família, só mais uma. Com seus desvios de caráter e pequenos prazeres, com sua cobrança e retorno desproporcional. Cada um fazendo sua parte para buscar um pouco de significado em uma vida sem guia, apoiando-se no grupo que o acaso nos ligou. E eu, hoje, me entendo melhor parte disso, pois entendo melhor o que é "isso" do que faço parte. E, honestamente, é bom me sentir parte de algo.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Bom garoto.

Lembro de acordar ansioso pelo presente que me esperava no andar de baixo. Tinha sido um bom garoto, com notas boas e muito educado. Ajudei meu irmão com o dever de casa e velhinhas a atravessar a rua. Dividi meus brinquedos com meus coleguinhas, ensinei o que eu sabia sobre o céu e a lua. Rezei pros astronautas não se perderem no espaço e pro meu cachorro fazer xixi no lugar certo. Superei meu medo de palhaço e não saí nenhuma vez deixando o portão aberto. Ajudei minha mãe a cozinhar quando podia e andei de bicicleta sem rodinha. Brinquei de queimada com meus amigos mas sem jogar a bola muito forte nas meninas. Não chorei (muito) quando arranquei meu dente, e o dinheiro no travesseiro eu dei pro meu irmão de presente. Pois na boca dele, banguelinha, ia demorar muito pra nascer e ele precisava começar a economizar pra ter quando crescer. Ouvi meu pai falando que o ano foi complicado e que o Natal seria um pouco mais magro que no ano passado. Daí listei todas essas coisas e escrevi pro Papai Noel que ficava no shopping aqui do lado. Contei pra ele do meu irmão, do meu pai e do meu dente. Contei também da escola, da rodinha e do presente. Acordei hoje cedo e encontrei o que eu queria na sala de estar. Minha família reunida me esperando acordar. Minha mãe levando panquecas para frente da tv, meu irmão deitado no seu colo ainda sem entender. O chocolate quente esquentando minha mão, meu pai escolhendo algo pra ver na televisão. Puxei a coberta e me estiquei no sofá, tinha tudo o que eu queria, o que mais eu ia sonhar?

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Sentir.

Quem diria que eu ia terminar o ano com um desafio? Algo tão grande que nenhum treino me preparou. Memória muscular ou deslocamento geográfico não ajudarão em nada. Querendo ou não me preparei o ano inteiro para enfrentá-lo, até porque passei o ano todo negando o problema. Negando não, não entendo sua existência ou como resolvê-lo. Quando me mostram então uma possível causa, uma origem que vem lá de onde eu fujo e do que eu nego, daí deixa de ser um mero problema e passa a ser um desafio de superá-lo. E o caminho é para dentro: achar em mim as respostas nos lugares não-familiares. Superar os traumas e palavras proibidas, deixar de lado a segurança, entrar de cabeça em identificar os traços e erros. Eu consigo, talvez já teria conseguido se tivesse entendido antes. Identificar a origem (ou parte dela) foi essencial. Pois se a coerência com o que eu prego e acredito for colocada em teste por algo, esse algo precisa ser resolvido e superado. Não tenho medo de tentar, até porque não tenho nada a perder e, quando me coloquei em processo, concordei que estaria disposto a tudo para colaborar. Não vou lutar contra minha própria evolução, e quando a barreira pareceu alta demais talvez seja a hora de pegar distância para o pulo. Eu sinto que vai dar certo.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Porta.

Eu nem lembro mais a quanto tempo está aberta, ela sempre esteve assim e eu não me incomodei de fechar. Eu também sempre estive aqui, falando com quem quisesse ouvir, recebendo quem quisesse entrar. Os mistérios sobre mim organizados sobre a mesa, minhas inseguranças escancaradas, meus desejos mais internos e minhas falas complicadas. O livro não estava aberto, mas estava escrito em linguagem fácil e colorido, pra quem se desse ao trabalho de folhear. E se o desenho na capa não é tão bonito, o conteúdo é simples de relacionar. Nunca me senti confortável em obrigar, convites parecem mais justos, quem tiver interesse em ficar, será bem recebido sem custo. Mas a porta aberta traz uma consequência, que nenhuma ciência há de explicar, que quando a estadia não agrada a porta está aberta pra quem não quiser ficar. E assim, me faço período, percurso, momento na vida do outro. Do meu canto um esforço gigante em me fazer relevante. Pois se a passagem por aqui valer a pena, ela traz volta, até que chegue então a hora de eu me levantar e trancar a porta pelo lado de fora.

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Livro aberto.

Estampo desenhos em minha camiseta
Como cartão de visita que me apresenta
À primeira vista me visto
Ciente das vantagens e do risco
Toco os discos que me tocam
Vejo filmes que inspiram
Mostro o caminho e ondem moram
Os que duvidaram e os que riram
Falo sobre o que eu amo
E amo o que me dá embalo
Sorrio pra quem está aberto
Me abro quando eu não me calo
Meu livro está sempre disponível
Pra quem se interessar em folheá-lo
O medo do toque é visível
Mas o abraço me abre num estalo

Um passo de cada vez.

Você foi muito corajoso, sabe? De agir como agiu. Sua firmeza diante de perder tudo foi invejável, e eu sei que você perdeu tudo. Mas quando empurram a gente, de pouco adianta olhar para trás, melhor aproveitar o impulso. E do tropeço você fez caminhada, e da caminhada você se salvou. Pensar em você foi novo mas fez total diferença. A gente demora a entender nossos limites e você, sem saber direito os seus, aceitou o desafio de tatear até a saída. Mesmo quando o impacto pareceu forte demais, sua cabeça guiou você para a porta que o levou em lugares que você nem imaginava. Labirintos e corredores que se revelam quanto mais você avança e que, mesmo quando não chegam onde você espera, ainda passam a segurança de estar seguindo em frente. E você seguiu. Passos lentos e incertos, mas usando a gravidade ao seu favor. Aprender a estar sozinho foi uma vitória, assim como reaprender a estar com o outro. E, como em tudo sua história, você continuou fazendo o que fez sentido e o que era capaz. Não houveram portas erradas, mesmo que às vezes elas nos levassem a outros lugares. Aceitar outros de você, que não condizem com a imagem que você mesmo montou, também não vai ser fácil. O personagem não atende mais a demanda, chegou a hora de checar a máscara e descobrir o quanto dela tem seu rosto. Os tropeços serão outros, e você vai sobreviver sem traumas. Então, confie em mim, segue em frente. Você tem muito a aprender no caminho. O peito aberto, de ferida, também deixa entrar muita coisa. Ela cicatriza e as marcas nem são feias. Entegue-se quando se sentir seguro e deixe as coisas irem quando não sentir. O barco flutua mas a praia está próxima. Então aproveite o balançar do mar e o teto de estrelas para fechar os olhos e limpar a cabeça. Eu não sei o que vem a partir daqui, mas sei que chegamos, então relaxe. O segredo é seguir em frente, um passo de cada vez.

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Beijos são tão engraçados.

Beijos são tão engraçados. Como um mínimo toque entre pessoas transmite energias tão grandes. Elétricas e sentimentais. Beijos são tão engraçados. Você massageia a pessoa ali de uma forma diferente e parece que tudo faz sentido. Beijos são tão engraçados. Trazem conforto, carinho, amor, tesão, e na verdade são só lábios encostando um pouquinho. Beijos são tão engraçados. É como ligar algo na tomada e deixar lá esquentando. Beijos são tão engraçados porque podem significar tanto e tão pouco ao mesmo tempo. Beijos são tão engraçados, que às vezes quando não encaixa a gente se frustra, mas tem vez que rimos mesmo. Beijos são tão engraçados que quando você beija várias vezes a mesma pessoa, o beijo de vocês vira uma mistura entre o seu beijo anterior e o beijo dela. Beijos são tão engraçados. Às vezes vem de manhã antes mesmo do bom dia. Beijos são tão engraçados. Como aquele momento mágico pré-beijo, onde o coração bate forte e você sente o cheiro do rosto da outra pessoa e você se aproxima só o suficiente pra que ela possa ser a responsável por beijar realmente. Beijos são muito engraçados. Trocam-se bactérias, salivas, gostos, jeitos, sorrisos de lado, impulsos elétricos, mãos que deslizam em um abraço e pressiona um corpo contra o outro. Beijos são tão engraçados. Na velocidade certa, na errada, quando o rosto não encaixa, os óculos batem e os aparelhos se encostam. Beijos ruins também são engraçados. Porque o rosto bonito e a conversa boa não é garantia de química. Beijos são tão engraçados, porque se eu quero e você quer, não tem nada errado em tentar um beijo nem que seja pra gente rir disso tudo depois, afinal, beijos são tão engraçados.

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

As vezes que eu morri.

Morri bem novo na praia e um anjo me salvou, me jogando contra a correnteza para os braços do meu avô. Morri também na piscina, numa quina traiçoeira, que marcou meu rosto e minha memória. Morri aos dezesseis, com um beijo e um coração partido, um ano depois, na mesma boca renasci fortalecido. Morri com uma chave que me trancou fora de casa e me obrigou a ir na janela desenvolver minhas próprias asas. Morri anos depois, quando fui pai dos meus próprios pais, e o choro abafado que seguiu eu não esqueço nunca mais. Morri quando traí uma amizade que amava, em busca de um amor que também me completava. Morri com os corações que parti sem intender, mas boas intenções também não os impediram de morrer. Morri ao achar que tudo estava conversado, e morri de novo ao entender que nem sempre o que é entendido é o que se é falado. Morri ao entender que bom trabalho não garante, e que mesmo sem impulso a solução é ir adiante. Morri na insegurança do outro que me matou diversas vezes, e mesmo tendo sobrevivido a dor ainda doerá por meses. Morri ao olhar em volta e não reconhecer onde estou, e buscar outros lugares é entender quem eu sou. Morri ao olhar pra trás e não saber de onde vim, mas isso é passaporte para onde eu quiser ir. Morri muito mais vezes do que eu precisava ter morrido, e sei que vou morrer muito mais vezes no caminho.

Aqui.

Fecho os olhos e dou o próximo passo
Porque quando o destino não importa
Muito menos importa o espaço
O trajeto a gente tateia,
Piso firme na areia
Em uma pista torta e desgastada
Que leva onde não se espera nada
Tenho em mim um mundo que não me cabe
Saber o que eu sou e onde está
Mas quando aqui não me completa
É porque posso estar em qualquer lugar

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Túnel.

Sigo perdido em direção a uma luz distante
Tento tatear a parede fora do meu alcance
Cada passo incerto me leva pra mais perto
Mas tropeço e caio em mais um bueiro aberto
Levantar gasta a energia que não tenho mais
Em um esforço gigante de não voltar atrás
Novas barreiras cobram que eu me reinvente
Mas a única certeza é que ainda tenho muito pela frente.

terça-feira, 30 de outubro de 2018

Caos.


Ele andava na rua cabisbaixo, os últimos dias haviam sido pesados. O frio que sentia era amenizado pelas fachadas em chamas das lojas do centro. Seu passo lento destoava do clima de animosidade em sua volta. Pessoas corriam na direção contrária, carregando parte de seus pertences em uma mão e seus filhos em outra. Lenços cobriam o rosto um pouco para proteger da fumaça e um pouco para esconder suas identidades. Nem os eventuais esbarrões em meio ao caos o tirava de sua imersão. Ele não escolheu estar ali, muito menos escolheu a situação. Ele sabia onde tinha que ir mas não sabia direito o que fazer quando chegasse lá. Carros de polícia cortam ao seu lado a toda velocidade, a sirene abafada pelos gritos há alguns quarteirões. Alheio a tudo ele continuava andando a passos lentos. Uma moça, alguns anos mais nova que ele o para e pergunta se ele precisa de ajuda, ele demora alguns segundos para entender a situação mas diz que não, que estava bem. Ela tenta convencê-lo a acompanhá-la, apontando que aquela direção era perigosa, mas ele sorri sem graça e agradece. Ela se afasta buscando outras pessoas que estariam mais dispostas a serem ajudadas. Ele vira na esquina escura que tantas memórias viveu nos últimos anos, mas agora ela estava coberta de lixo e vidros quebrados. Ele para em frente a um dos prédios mais antigos e toca o interfone. Ele insiste um pouco até que uma voz rouca atende:
- Quem é?
- Sou eu, Lu. Acho que precisamos conversar.
- Pelo amor de Deus, Roberto. Vai pra casa, vai pra um lugar seguro.
- É que eu eu queria... Me deixa subir.
O barulho da porta se abrindo é um alívio no coração dele. Ele sobe as escadas que ele achou que nunca voltaria e chega em frente ao 4B a tempo de ouvir as trancas serem abertas e ela olhar pra ele com a mesma incredulidade de quando se viram pela primeira vez.
- Você está maluco? O que você está fazendo aqui?
- Eu não consegui mais ficar em casa.
- E você vem pra cá? Já não basta...
- Me perdoa.
- Cansei da suas desculpas! Olha a situação que você me coloca.
- Eu vou embora, eu não devia ter vindo.
- Não devia mesmo. Você teve sorte de chegar aqui vivo. Agora espera aí que vou preparar um café.
Ele senta no sofá surrado e sente-se em tranquilo pela primeira vez em meses.

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Pedra.

O esforço de mover uma pedra
em nada se compara ao de mover montanhas
Mas tamanha força emprega
Que há de se reconhecer a façanha
Pois se o todo pouco move
Pra quem da pedra conta
Muito ganha e se comove
Com o movimento da ponta
E se o caminho libera
Ou se vira matéria-prima
Já ajuda quem espera
Um dia chegar lá em cima

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Caleidoscópio 4.

O céu quebra em estilhaços no chão
O barulho do trovão ensurdece como cega o raio
Caio sem forças e forço a porta, que corta minha mão
O arco-íris colore com sadismo o piso da sala
A mala aberta sobre a cama, a bota ainda suja de lama
De viagens que nunca serão feitas
O vento chama meu próprio nome e ecoa
As dores me fazem perder sentido, cores inundam as vistas
Visitas chegam, chamam na entrada
Calei-me, meu rosto reparte em mil
Calei dos que não me achavam soma
A porta abre forçada, a cena choca na entrada
Chuva limpa o piso
Espalha o sangue em cor luz
A cena seduz os olhos de um sentimento sem tradução

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Recorte.

Um espaço todo em branco, sem limites. Por todos os lados, apenas branco e luz. Começo criando uma pessoa. Um homem, alto, jovem, com um casaco de frio, luvas e uma bolsa/pasta de lado. Muito parecido comigo. Transformo em uma mulher. Um pouco mais baixa, mesmas roupas. Dou a ela óculos e o cabelo colorido em um roxo desbotado. Ela toma café do lado de fora de uma cafeteria. O branco agora é substituido por ruas, prédios antigos, uma mesinha de madeira embaixo de um guarda-sol. Não que faça Sol, está bem nublado na verdade. Ela pensa em algo, não, melhor, ela escreve algo em um caderninho. Ela desenha. Começou rabiscando a árvore do outro lado da rua, agora desenha uma outra garotinha brincando com seu cachorro ao lado da árvore. Ela queria saber desenhar melhor, mas ainda é um ótimo passatempo. Seu celular está sem bateria em algum lugar da bolsa, mas ela nem liga. As coisas acontecem quando tem que acontecer. Um garçom a aborda perguntando se ela quer mais alguma coisa, ela nega e sorri. Uma garota chega e senta do outro lado. Tira o lenço que prendia seus cabelos e pede desculpas pelo atraso. Eu, autor, observo de longe para ver o que vai acontecer. As duas conversam, não consigo ouvir a conversa, mas parece animada. A segunda garota pede um café e tira suas luvas para esquentar sua mão na xícara. Parece que tem tempo que elas não se viam, elas conversam muito e parecem estar bem felizes.  Uma checa o caderninho da outra, abre um sorriso e continua a folhear.  Saca o celular e mostra a tela empolgada. A câmera imaginária se afasta, a imagem se desbota em branco novamente. Aquele momento fica para sempre, sem começo e sem final. Apenas três personagens, em um recorte da vida.

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Eco.

O choro ecoa
Ignorado em ego
Encontra o silêncio
E o portão aberto
Olhando o exemplo
Encontra o correto
Do lado oposto
De quem tá perto
Distante ele corre
Sem saber destino
Destila o veneno
Venera o vinho
O olho se molha
Do encontro carente
Estoura a bolha
Em queda se sente
Mais duro que o chão
Encara o presente
Em mares de não
Valida o ausente
Constrói o seu ego
Em esmo incerto
O choro ecoa
Sem ninguém por perto.

domingo, 30 de setembro de 2018

Flutuar.

Hoje eu acordei leve como não acordava há anos. Anos mesmo, esse ciclo em torno do Sol que relativamos cada vez que passamos por ele mais vezes. Pela primeira vez a preocupação com a vida e a necessidade de aprovação não pesaram tanto. As responsabilidades foram muitas delas responsavelmente abandonadas durante a semana. Os prejuízos foram abraçados como parte do processo de aprendizado. Cercar-me de pessoas que afloram o melhor de mim, e não de pessoas que exploram o melhor de mim, fez um bem extremo. E, mesmo que por apenas um dia, me permito viver completamente essa leveza. Pois não sei como vou acordar amanhã, não sei se outros pesos vão se acumular em minhas costas, ou se eu mesmo me derrubarei. 

Então, se por um dia o peso está fora de mim, eu vou aproveitar ele para flutuar.

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Canto-mudo.


Por que me prender na gaiola
Se meu vôo te assusta
E meu canto incomoda?

Mantém-me perto
Como validação
De quem tem algo raro
De poeira coberto 
no fundo do porão

Que valor fútil
De papel-moeda
Ou lastro equivalente
Gastar minha vida útil
De produtividade em queda
Por ego ascendente

Acende a chama da curiosidade
Entre as barras do meu lar
Se é razão que chega com idade
Ou clarão que não vai chegar

Enquanto isso, escondo o canto
Do meu canto, ensaio vôo
Esperando a chance entanto
De voar ao céu de novo

terça-feira, 25 de setembro de 2018

Tristeza

Hoje eu fiquei triste, como tenho ficado muitas vezes nos últimos dias. Tem hora que chega do nada, sem motivo aparente, tem hora que o motivo nem disfarça e fica parado ali na minha frente. Tudo tem doído muito, porque fico triste por deixar para trás do mesmo tanto que fico triste por nada mais ser o mesmo. Fico triste por ter algo que nunca tive, pensando em todos os momentos que aquilo me fez falta. Fico triste de me sentir sozinho e triste de saber que em breve estarei realmente. Triste de pensar em tudo que poderia ser se as coisas fossem diferentes, se a sincronia fosse outra. Fico triste porque eu não serei mais quem eu era, nem vou estar com quem eu estive ou nos lugares que eu estive. Porque nada mais é o mesmo e isso também me entristece. Eu mesmo, fico triste de não ter a inocência de outros tempos, em achar que o amanhã vai me trazer conforto de corpo e mente.  Fico triste com a energia que se dissipou em coisas que não valem mais. Fico triste em acordar e não poder mudar nada. Proteger quem precisa, me proteger do mundo e de mim mesmo. E daí eu só fico triste. Porque estou seguro, e sei que o próximo passo também será, e não é medo, não é receio. É só que seguir em frente é atestar que não foi aqui, como eu tanto achei que era. Não eram eles e, acima de tudo, não sou eu. Talvez amanhã eu me sinta melhor, ou ano que vem, ou essa tristeza é só quem eu sou daqui pra frente. Mas não adianta chorar o choro que chega depois, vamos deixar cada lágrima pra sua hora.

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Madrugada.


3 da manhã ela acorda pela terceira noite seguida. Os carros passam em sua janela no terceiro andar. Ela estranha tanto movimento na avenida, mas prefere acender um cigarro pra espairecer. Observa lá embaixo onde um casal se despede com a melancolia de quem vai demorar muito pra voltar a se ver. A garota ensaia entrar no carro umas três vezes e sua namorada a puxa novamente em um abraço hesitante. 

O vento evita que o cheiro de fumaça se espalhe pelo apartamento pequeno no centro da cidade. 


Ela imagina outros insones ao observar janelas iluminadas, e devaneia se estudam ou dormem na frente da TV. No quarto dela só o isqueiro ilumina seu rosto, a cada dez ou quinze minutos num ritual sem fé. 


Ela se esforça pra lembrar o sonho que ela sonhava, em que caçava cervos em um chalé nas montanhas. Sonhava se um dia sairia da vida urbana, deixando tudo para trás para viver no mato. Sem regras de vestimenta, sem cobranças de prazo. Sem expectativas geradas por sorrisos e abraços. Decide que largaria enfim o cigarro, como se se livrar da poluição a desse liberdade pra respirar. 


4 da manhã o maço acaba, e com ela, seus hábitos. Escova o dente pra não acordar com gosto de cigarro. Pensa que queria sonhar agora com uma viagem de carro. Cabelo solto, som ligado. Só ela, a estrada e seu passado.

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Soneto insone.

A tristeza fica a espreita de qualquer desatento
Esperando atrás da porta pra me pegar de surpresa
E se eu tento disfarçar o que eu sinto por dentro
Ela me destrói como um predador destrói sua presa

Tristeza como lágrima que insiste em não cair
Para crescer em angústia me digerindo aos poucos
Sorriso que disfarça o que tem dentro de mim
Impacto que deixa marcas e dói mais que um soco

O braço estica mas não alcança nada
O pé pisa mas não encontra o chão
O pulmão infla quando o ar acaba

Você segura mas não encontra a mão
E seu grito o travesseiro abafa
O tempo bate mas não o coração

terça-feira, 21 de agosto de 2018

Um dia.

Um dia você passa pela porta pela última vez
E tudo que está lá dentro fica pra trás
Tudo o que você foi e o que você fez
Guardados em um lugar que não te pertence mais

Um dia você deixa de se sentir em casa
E percebe que nunca mais vai se sentir assim
A gente cresce e falta espaço pras nossas asas
Cria raízes mas se sente preso no jardim

Um dia o vazio no coração
Fica maior do que o vazio da mudança
Roupas e livros em caixas de papelão
Sem ouvir música não tem como continuar a dança

Um dia você se pergunta se deve olhar novamente
Pra guardar uma imagem daquilo pra sempre
E quando olha, não reconhece o que sente
Se é alívio de ir embora ou medo de seguir em frente

quinta-feira, 26 de julho de 2018

Sereia.

Sou eu te guiando corredeira abaixo?
Irresponsavelmente te conduzindo pro abismo
De onde vamos cair juntos e sabe-se lá como voltar
Só porque a correnteza nos leva em uma viagem fácil
Sou eu que não nado contra a corrente
Ou te empurro para terra?
Sabendo que eu mesmo não estarei de pé no final da jornada
Por que não largar sua mão e aceitar meu destino
De barco firme e seguro lá no fundo do oceano?
Atraio a sereia para a terra e me realizo em suas realizações
Mesmo sabendo que quem não vai conseguir respirar debaixo d'água sou eu.

quarta-feira, 18 de julho de 2018

Amor-próprio.

Existem palavras que são difíceis demais de falar, principalmente por causa do peso que elas carregam pra gente. O significado pessoal é muito maior que qualquer definição do dicionário e seu uso indiscriminado pode gerar até mesmo um vazio semântico. E quando você acha que ultrapassou a maior barreira do mundo em dizer algo para alguém, você percebe que voltar aquilo para o outro é bem mais fácil do que para si mesmo. Não que você não seja merecedor, muito pelo contrário, racionalmente entende e construiu seu mérito, mas falar isso voltado para si se mostrou quase impossível. Porque entende perfeitamente o que aquilo é para o outro, e como identificar, mas para si já não tem tão claro assim. Desviando de clichês de propagandas motivacionais, onde o discurso se esvazia mais uma vez, agora com ambições comerciais, você sabe que não é só aquilo. Não é raso, não são pequenas ações, não são pequenos momentos para si, é algo maior e, por enquanto, difícil de identificar. E quando a própria indefinição de algo que poderia ser tão clichê te afeta de um tanto, difícil explicar que sua tristeza não originada de outro, e sim de uma frustração (decepção talvez) de não conseguir aplicar ou aceitar algo que parece tão claro e tão óbvio, por simplesmente não ter certeza do que é que aquele sentimento significa quando voltado para si. E de todas as dificuldades em externalizar isso, o mero fato de escrevê-lo já se mostra outra barreira, buscando novamente o atalho da descrição em uma análise racional só para não ter que escrever realmente o que é tão difícil falar. Fica no ar então.

quarta-feira, 11 de julho de 2018

Ilumina*.

Não seja tecnologia
Como se eu pudesse desligar seu amor em uma máquinha fria
Não me alimente seus restos
Não sou um vira-lata em sua cama em busca de afeto

Não ondule,
sele meu destino, marinha
Me iluda que me procura
e seja minha isca, seja minha

Não seja o tom que não consigo
Ou o caso que de tanto contar ficou antigo
Não seja a mão na minha garganta que me asfixia
Se é minha amiga porque você não quer ser minha família?

Então, se formar uma
Não me assuma
Seja minha isca, seja minha
Seja minha calmaria

Você entende o que eu digo? (me contradiga)
Você me traz luz mas não me ilumina
Você não é minha (então me diz quem eu sou?)

(Tudo queima)
Por fora sinto sua boca fria
(Esteja aqui)
Você me traz luz mas não me ilumina
Você não é minha

Então, me engana que me ama
e seja minha isca, seja minha



*Livre tradução de "Not The Sun", por Brand New.

Morada.

Vem morar no meu peito
Se sua casa já não é lar
Deixe eu me adaptar ao seu jeito
E faz de mim o seu lugar
Posso ser o porto-seguro
Se você está perdido no mar
A parada no meio-caminho
de alguém sem pressa de chegar

E se precisar partir, leve parte de mim
De suprimento para uma viagem extensa
Porque é bobagem pensar em fim
Do que é maior do que a gente pensa
E se precisa voltar, não precisa temer nada
Se sua casa não for seu lar,
meu peito ainda será morada.

quinta-feira, 5 de julho de 2018

Fazer por.

A motivação deve estar no ato
e não na pessoa
Porque o ato termina em si
E a pessoa continua lá
Frustrando expectativas
Com reciprocidade não vinda

Daí cabe diferenciar fazer algo por
Do que fazer algo para
o "por" indicar motivação
o "para" indica alvo
Assim você dorme tranquilo
Mesmo que o mundo seja ruim

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Chamas.

Observo o quarto em chamas
Hipnotizado pelo fogo
Digo que logo vou mas continuo
Você diz que me ama
E eu não escuto
A fumaça torna meu olho turvo
Enquanto vejo tudo queimar

Minha obra de arte em cinza
Pintada em paredes brancas
Caminho em direção a cama
Pra dormir sem precisar acordar
O despertador derrete em sonhos
A fronha do travesseiro acende
Paro o tempo por um segundo
Solto a mão de quem me prende

Caio num abismo escuro
A queda não parece ter fim
Não sinto mais o calor de fora
Muito menos o que havia em mim

quinta-feira, 14 de junho de 2018

Encontro casual.

atravesso os corredores
cercados de prateleiras
para dar de cara com você
revivo minhas dores
em plena segunda feira
sem saber o que fazer
o sorriso sem graça
de quem não esperava
lidar com isso a essa hora
da manhã
e torcendo pra que amanhã
pelo menos o destino tenha pena
me fazendo virar em outra esquina
e evite essa constrangedora cena

terça-feira, 12 de junho de 2018

Carta.

Encontrei uma carta sua aqui
E me perguntei como não percebi
Que as coisas já tinham desandado
Acidente causado por um trem descarrilhado
Já tinha passado tem tempo
O limite do bom senso
Do que faz bem, do amor imenso
Era natural que acabasse
Só eu mesmo que não percebii
Porque eu pensei que quando acabasse
Eu não iria estar aqui

Mas hoje que não dói mais
Vejo que não tinha o que fazer
Porque quando um não quer
Já acabou.
Sobra só sofrer e esperar que passe logo.
Joga as cartas no fogo,
E no lixo as fotos.
Mas hoje não dói mais, hoje não dói.

segunda-feira, 4 de junho de 2018

O que eu sou.

Eu era minhas camisetas
Meus quadros na parede
Eu era minhas canecas
Os versos citados
E as imagens na pele
Eu era a referência ao filme
Ao livro, eu era tudo que me marcava
Eu era fácil de ler
E fácil de agradar.
Me identificava com tudo que ressoava em mim.

Mas aí deixei de ser nós
E aos poucos fui deixando de ser tudo
Até sobrar só o que eu sou
Meus atos e minha presença física
É só o que posso oferecer

Eu não me identifico mais
Perdão a quem se via em mim
Mas tirando tudo o que eu já fui
Só sobra o que realmente sou

segunda-feira, 28 de maio de 2018

Tudo que eu perdi.

Perdi minha cidade
Não reconheço mais as ruas
Os rolês, os espaços,
E tudo que eu faço me distancia mais
Eu perdi minha casa
Não meus móveis ou minhas paredes
Mas o sentimento de lar
Como um lugar que te traz paz
Perdi minha família,
pra distância física e moral.
Fui perdendo os almoços de domingo
até o Natal não fazer mais sentido.
Perdi meus amores
Até não acreditar mais nisso.
O amor é um acordo de concessão
Que me foi tomado à força
Perdi meu trabalho,
Que é como perder o emprego mas com outro sentimento
Horas perdidas sem propósito
Minha cadeira é um depósito abandonado de talento
Perdi a esperança
De achar o que só fez sentido naquele momento
Porque ter controle é uma ilusão
Meu maior erro foi achar ter poder de decisão

E fui perdendo aos poucos
Cada parte de mim
Que habitava esses lugares,
Até me perder por completo.
Então fui obrigado a me achar
Em tudo que eu ainda tinha
Encontrar o que de mim estava acima
Disso tudo.
Se tiram o que te define, o que sobra de você?

O que eu perdi dificilmente vou encontrar,
Mas de vez em quando encontro partes novas aí.
Ainda não me sinto completo, nem sei se um dia vou sentir.
Mas talvez ser completo nem era um objetivo tão bom assim.

sexta-feira, 11 de maio de 2018

Caminhos.

Sonhei que estava tudo bem
Que não tinha doido tanto, sabe?
Que você tinha superado também
E que agora, caso o mundo desabe
Eu não vou ficar pensando no que seria
Se um dia, fosse diferente, entende?
Caso a gente não tivesse se encontrado
Ou nosso caminho tivesse se separado
Antes de estarmos tão distantes.
Porque não reconheço o caminho a minha frente
E o que ficou pra trás também não me diz tanto
E que se a gente chegou aqui junto
Ainda falta muito pra eu entender
Qual o destino que me espera.
Mas não fico parado,
Cada vez e cada passo,
Em busca de entender pra onde vou
O que eu sou e quem eu era.

quarta-feira, 9 de maio de 2018

Peixes.

É difícil ser uma vítima ocasional dos traumas dos outros. O objeto a ser descartado em momentos de perigo, o peso no navio jogado ao mar para que ele não afunde. Daí boio, à deriva, e vejo à distância o navio afundar. E em outros barcos e embarcações menores, a história se repete. Enquanto eu acredito ser o que impede a água de entrar, ao mesmo tempo eu e minha fé somos jogados fora sem pensar duas vezes. Os gritos de protesto ignorados, os avisos negados, porque não é minha função que me mantem ali. É o ego e o conforto que posso oferecer, a segurança em mares agitados. Mas na confusão e enjôo que esse mesmo mar causa, é difícil diferenciar o que ajuda e o que atrapalha no processo, e eventualmente tenho sido eu a peça descartada. Eu novamente no frio tento nadar para um lugar seguro, com dúvidas se vou conseguir. O barco afunda a poucos metros de mim sem eu poder fazer nada.

At the botton of the ocean, fish won't judge you by your faults.

quinta-feira, 3 de maio de 2018

Calmaria.

O sentimento de não ser necessário toma formas distintas,
pois o que poderia lhe tornar dispensável
acaba sendo justamente o que nos liga.
Quando não se precisa estar com alguém
Só a vontade prevalece
E enquanto o desejo existir, ela permanece
Enquanto fizer sentido, enquanto sentir que faz
A gente permanece junto, sem perturbar nenhuma paz

Pois é a calmaria que me atrai, não necessariamente a estabilidade
Pois nessa idade no mar, qualquer onda forte a gente cai
Então fico e peço que fique também
Porque o que não está fazendo mal
tem sido muito melhor do que o que não estava fazendo bem.

quarta-feira, 25 de abril de 2018

Sem alarmes.

É difícil explicar pra quem está fora da minha cabeça o simbolismo dos meus últimos passos. Os últimos meses tem sido transformadores internamente. Depois de anos com medo de encarar tudo o que eu escondi em uma espécie de máscara social, a ponto dela se confundir com minha proópria personalidade, estou sendo obrigado a investigar mais profundamente o que realmente sou no meio de tudo o que eu construí. O primeiro passo foi me livrar do outro. Não totalmente, como se me isolar da sociedade fosse a solução de alguma coisa, não é. Mas entender melhor o equilíbrio entre o que eu posso fazer pelas outras pessoas sem anular o que eu tenho que fazer pra mim, e mesmo entender quando estou fazendo por mim enquanto faço por outras pessoas. Sou assim, ou me construí assim, não tem como fugir muito disso. Mas dentro de um compromisso pessoal com a empatia, me perdi sobre onde eu mesmo estava. Ao mesmo tempo, minha lógica matemática que me trouxe tão longe, a ponto de virem até mim em busca de conselhos e caminhos, que eu mesmo só descubro quando externalizo, também reprimiu outros fatores do que me faz eu. Vendo o emocional e o sentimento como um obstáculo para tomar as melhores decisões, fui aos poucos parando de reconhecê-las. Mas os últimos meses (e anos, talvez), me jogaram para baixo de uma maneira tão forte, que mesmo negando, eu sentia. E sentia demais cada fracasso e frustração em relação ao outro. Amizades, amores, trabalho. Tudo que não dependia de mim e, por consequência não seguia minha própria lógica e linha moral, me afetava demais. Porque as pessoas não estão nem aí pro que eu penso, muito menos por fazer. Daí surgiu a necessidade de fazer mais por mim. Necessidade eu digo no sentido restrito da palavra, de "precisar mesmo". Me derrubaram e eu precisava levantar. Com passos lentos e olhando para os dois lados antes de atravessar, estou ressignificando minha relação comigo mesmo. Descobrindo meus espaços, meus limites. Permitindo-me andar por aí sem objetivos, ter programas sem outras pessoas, entendendo até onde consigo ajudar e até onde me prejudico em abrir mão de mim. E domingo foi isso. Estava onde eu queria estar, vivendo algo que eu tinha me negado a viver por não me julgar merecedor e não aproveitar oportunidades que requeriam sacrifícios. Era uma homenagem a quem eu fui e um marco pra quem eu sou. Vivi aquela experiência por completo, da maneira que eu queria, isolado dos outros e introspectivo como poucas pessoas tiveram oportunidade de me ver (ou me perceber) nessa vida. Aquele momento, que pode ter durado duas horas sem eu nem ao menos perceber, foi meu apenas. Mesmo cercado de trinta mil pessoas, eu nunca estive tão sozinho e bem com isso. Quando o momento acabou, e me obrigaram a voltar pra realidade nem que fosse pra eu tomar o rumo de casa, eu desmontei. Incapaz de reagir ou me comunicar, eu simplesmente fiquei lá, parado, digerindo que eu tinha acabado de viver. Não sei se daqui a alguns anos esse momento vai ser tão marcante, mas posso dizer que foi agora. Por tudo que eu tenho pensado e tentado aplicar na minha vida, pelas pessoas que estão hoje do meu lado, pelo meu processo terapêutico. Estou no caminho que eu queria e acho necessário estar. Nem sempre é um caminho feliz, mas sei que estarei mais leve no final.

I'm on the mend. At least now I can say that I'm trying. Hope you will forget things I still lack.

sexta-feira, 13 de abril de 2018

Ícaro.

Quase na beira do precipício estendo minha mão
Vejo você dar um passo a frente e dizer não
Porque apesar de nascer sem asa,
Não se sentir em casa nesse mundo é a danação.
Por isso quer tanto voar, em direção a luz como Ícaro fez,
Pra poder sentir a queda eminente a cada bater de asa
Se aproximando da brasa que queima no céu e rindo dos próprios clichês
Enquanto cai, você me vê parado, ao longe observando seu feito
Eu aceito que era esse mesmo seu jeito
De não se contentar com o que não é perfeito
Achar defeito em tudo que seu Deus lhe deu.
Agora voa de encontro a ele, pronto pra confessar seus pecados
Como se o que fez te errado tivesse te levado até ali.
Mas tudo é escolha, e você escolheu cair.
Não era minha mão que ia te impedir.
E quando caído, te lembrarem como rei,
Eu vou ter a consciência de que eu tentei.

quarta-feira, 4 de abril de 2018

Poder.


O poder é uma rosa pequena, frágil e de cristal
E mesmo que sua mão pesada bata forte
Ainda precisa da validação do outro pra ser real
Mas qual o sentido de se sobrepor
Se o sobreposto precisa permitir
Será se os homens pedem pras formigas
"É ok se eu pisar aqui?"
E mesmo um deus todo poderoso
não perde tempo perdindo permissão
Aos humanos cheios de falhas
Que se humilham e imploram perdão
Mas o poder quando enfrentado,
Se a cabeça do outro não abaixa,
Ele se ofende como menino mimado
Que recolhe os brinquedos em sua caixa.
"Quem é você que não me reconhece,
não vês que sou todo-poderoso?"
Se fosse realmente quem você parece
Não estava discutindo como ouso
Apenas me puniria sem dizer porquê
Usando do que você tanto diz ter:
Poder.

sábado, 24 de março de 2018

Órbita.

Habitamos o microcosmo do meu quarto
E na quarta volta, nosso universo colidia
Em supernova que não ecoa no espaço
O grito do astro que ninguém ouvia
Estrelas marcavam e guiavam o caminho
E o satélite que enfeitava nosso teto
Era o ponto brilhante de não se estar sozinho
Perder-se na galáxia de afeto
Mas a rota de colisão em nosso frente
Pedia que medidas fossem feitas
Enquanto a gente flutuava calmamente
Você já orbitava outro planeta.

sexta-feira, 16 de março de 2018

O que morreu de mim.

Um tiro distante me atingiu em cheio
e, como se tivesse no meio,
senti meu sangue descer.
E o vermelho turvou minha vista
como uma lista borrada de coisas a fazer.
A esperança, se é que exista,
mesmo que dista, também foi morrer.
Porque se o caminho seguido
não foi garantido de destino chegado,
Faz diferença onde sigo,
me perco, amigo, ou se espero sentado?
Meu próximo passo é desconhecido,
Se vai melhorar, eu não confio,
Mas entendo agora o que aconteceu comigo.
Porque quando morrem pelo que eu acredito,
Fingir não ouvir o grito não é uma opção.

sexta-feira, 9 de março de 2018

Precipício.


Dizem que quando você olha o precipício, ele olha de volta para você, mas eu tinha certeza que ninguém me olhava naquele momento. Andei por quilômetros e caminhos improváveis para me ver o mais sozinho que eu pudesse estar. Meu grito ecoaria pelas montanhas mais próximas mas não chegaria aos ouvidos de nenhum ser humano que pudesse me impedir. Pelo caminho eu repassei todas minhas decisões que me trouxeram até aqui. Todos os tropeços e injustiças que me fizeram aos poucos perder a fé não só na humanidade como no meu próprio futuro. Viver em sociedade não me recompensava mais, o trabalho, a família, os amigos, eu era apenas um enfeito empoeirado em um móvel próximo a televisão. E foi quando percebi que eu não tinha um futuro brilhante pela frente que comecei minha caminhada. Aos poucos parei ir atrás das pessoas, com o tempo elas pararam de insistir também. Em outra cidade, minha família mal acompanhava meus passos e no meu trabalho demoraram alguns dias pra perceber que eu nem ao menos estava lá. E foi caminhando até aqui, no frio da noite e no suor da tarde, que pude entender melhor o quão pequeno eu e minhas ações somos. Deixar de lado o ideal de mudar o mundo ou de fazer as pessoas mais felizes. Separar o lixo foi em vão, assim como ajudar senhoras a atravessar a rua e me manifestar quando presenciei injustiças. Enquanto me arranhava entre arbustos e me protegia da chuva em copa de árvores gigantes, minhas preocupações foram diminuindo e com ela também minha dor. A dor de ter machucado tanta gente, de ter me machucado tanto, me culpado e conscientemente errado tanto. Por tentar corrigir meus erros tarde demais. Não ter sido forte ou insistido pra que as pessoas não fossem embora. Continuei por alguns dias, confesso que em algum momento eu perdi a conta, mas foi só quando achei onde subir e comeci a sentir o ar se tornando cada vez mais rarefeito em meu pulmão, o corpo pesado e desacostumado, que senti o peso da minha decisão. As inseguranças voltaram, o sentimendo de covardia de ter deixado tudo para trás foi crescendo com força. Agora, dando mais um passo em direção ao precipício, minhas preocupações somem novamente. Tira o óculos como em um movimento simbólico de negação da sociedade. Tiro também meu cinto e meus sapatos. Abro os botões de minha camisa e começo a sentir o vento bater em meu peito. Abro os braços naturalmente, e penso como quem está vendo de fora deve estar me achando ridículo. Me posiciono mais a frente, meus pés já fora da borda. Respiro fundo para dar meu próximo e último passo. Chegou a hora. Antes que eu pudesse me despedir de mim mesmo, perco o equilíbrio, tento me lembrar do que eu estava fazendo por um último instante. Então percebo que estou voando.

sexta-feira, 2 de março de 2018

Destino.


Estou parado há uma semana tentando escolher o caminho.
Os dois lados tem rosas, os dois lados tem espinhos.
De um lado tem impulso, do outro lado estou sozinho.
Mas desse lado me sufoca, daquele eu respiro.
Os dois lados terminam muito próximo do meu destino
Mas preciso decidir urgente qual estrada que eu sigo.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Passeio.


O Sol tinha se escondido pra não incomodar nosso passeio, e enquanto a gente andava eu pensava o tanto que o céu nublado combinava com seu rosto, equilibrando luz e sombra de maneira a valorizar cada detalhe. Eu me espantava como com você tudo parece o videoclipe de uma banda indie. Desde a maneira como prendia o cabelo enquanto tomava café de manhã até a maneira como se encolhia no sofá, puxando a coberta para si, nas cenas de tensão do seu seriado preferido. E eu ali, de observador onisciente de um espétaculo que não era pra mim, era pro mundo. O passeio continuava e você parava para olhar de perto uma flor que crescia no tronco de uma árvore. Seu encantamento não conhecia limites, até os girassóis se inclinavam um pouco na sua direção quando você passava. Nas conversas era sempre o centro das atenções, entre amigos, familiares e até quando éramos só nós dois parecia que eu não me importava muito em apenas observar você falando sobre suas paixões. Achei que com o tempo eu me acostumaria, mas anos se passaram e eu ainda me distraia no movimento da sua boca, no toque da sua mão sobre a minha, no seu cheiro. Você era tão completa e cheia de si, que mesmo minhas falhas e ausências não pareciam incomodar. Eu somava com o que eu podia em uma pessoa que parecia transbordar em tudo que alguém gostaria de ser. Eu tentava só absorver o que você tinha para me ensinar, observar pra ser melhor. A delicadeza de cada ação, a intenção pura de quem só quer fazer o bem mesmo que ganhando nada em troca. Mas o que poderiam te oferecer que você não tinha? O que eu poderia te oferecer que você não tinha? Você resolveu parar no parque, estendeu uma toalha no gramado e me chamou para sentar. Aproveitei a grama recém molhada e me deitei no seu colo. Você enxergava desenhos nas nuvens enquanto eu, distraído, só estava feliz de estar ali. Fechei os olhos pra concentrar nos seus dedos que deslizavam em meus cabelos. Pensei naqueles que trocariam tudo para estar no meu lugar, sentir seu abraço e enxugar suas lágrimas nos dias difíceis. Ali eu me percebi feliz, como nunca tinha sentido antes. Não queria estar em nenhum outro lugar. Feliz como quando te vi pela primeira vez e entendi que você tinha me escolhido. Como quando você me convidou pra sua cama e eu entendi que ali que eu queria dormir pelo resto da minha vida. Feliz quanto quando você me apresentou pra sua família e eu entendi que em breve ela seria minha família também. E então abri os olhos, percebi que você também estava feliz. Lambi sua mão, e empurrei ela com a cabeça pra eu me aconchegar novamente. Você soltou minha coleira pra que eu pudesse correr por aí mas não tinha nada naquele parque que me interessava mais do que você.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Ausência.


Hoje de manhã, sua ausência não foi notada.
No espaço vazio da cama tinha uma almofada.
Nos minutos de acordar, uma planta foi regada.
Não tropecei nas suas roupas espalhadas.
Na mesa do café, não sobrou outra torrada.
A luz do Sol entrou por onde a toalha era pendurada.
Eu mesmo dei um novo nó na minha gravata.
Lembrei de conferir se a janela tá fechada.
A cópia que eu te dei, a fechadura foi trocada.
O porteiro não estranhou quando saí pela escada.
Elogiou minha postura e minha barba penteada.
Na caixa de correios, nenhuma carta endereçada.
O cinto do meu carro não deixa mais você marcada.
Nem desvio meu caminho pra deixar você em casa.
Ou espero sua resposta das mensagens visualizadas.
Não combino o almoço: saladinha ou feijoada?
Depois do trampo não me liga pra dizer que está atrasada
Alguém da faculdade te passou a sala errada.
Que o estágio não engrena, esse semestre está ferrada.
Que só queria estar dormindo ou vendo tv de madrugada.
Chego em casa, no fim do dia, esqueci a luz ligada.
A louça se acumula, a geladeira está estragada.
O chuveiro não esquenta, nenhuma roupa está passada.
O peso no meu corpo atinge uma tonelada.
A vontade de continuar se perde em meio a jornada.
Deito só mais uma vez, com a cara já molhada.
Torcendo que amanhã, a ausência não seja notada.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Desconforto.

O desconforto e a sensação de não-pertencimento se tornaram coisas tão presentes na minha convivência social que eu simplesmente passei a ignorar, como tantas outras coisas na minha vida que me incomodavam. Reencontrar esses sentimentos e perceber o quanto eles influenciaram momentos cruciais nos últimos anos tem sido bem doloroso. Entender que muito do que eu passei foi gerado direta ou indiretamente por causa desses dois sentimentos. A forma como eu lidei com decisões importantes, positivo ou negativamente, vinha diretamente do fato de eu estar em um momento que não faço parte. Além do individualismo natural do ponto de vista de cada um, existe um padrão externo que eu simplesmente não me encaixo. Lidar com essa diferença é minha principal dificuldade em ambientes sociais. Entender que as pessoas não enxergam o mundo da mesma maneira que eu, não interpretam as coisas do mesmo jeito, e por isso, obviamente, não reagem da mesma maneira. Ao observar os padrões, e conseguir prever com uma alta taxa de acerto os próximos passos da maioria das pessoas, o movimento começa a ficar chato. Esperar estar errado sobre algo e se decepcionar de novo e de novo. Ficar se perguntando como que todos em volta não enxergam o óbvio sobre os outros e sobre si mesmos, gerando desastres pessoais em suas vidas. Mas ém um pouco até da falta de fé existente na certeza da decepção. As pessoas não são tão rasas quanto parecem, mas na maioria das vezes elas agem como se fossem, então não importa muito os dilemas que levam elas a tomar as decisões óbvias, se as decisões continuam sendo óbvias. No meio disso tudo, eu. Como se decifrasse um código universal, cartesiano, de leitura de pessoas, inevitavelmente não fazendo parte. Não por agir diferente do esperado, mas por simplesmente não conseguir ser lido como leio. Isso gerando grande parte do meu sofrimento individual e social, as disputas, os desentendimentos. Cada semana uma nova camada se expõe, mas são sempre variações dos mesmos problemas que eu simplesmente não consigo resolver. Quanto mais me esforço, mais frustrado fico. Porque eu mesmo também não consigo me ler, acessar o que está escondido. Não é uma barreira pros outros, é uma armadilha pra mim. Me protegendo de pensamentos negativos e sentimentos nocivos, e por isso sendo menos completo. A batalha continua.

Then ask me what it's like to have myself so figured out. I wish I knew.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Expectativa.

Expectativas de forma geral foram feitas para serem quebradas. Depositar em outro ser humano o mínimo de esperança de que algo positivo possa acontecer é o caminho certo para a decepção. Ao mesmo tempo, a completa falta de expectativa é impossível, a não ser em casos onde um realmente não nutre ao outro o mínimo de respeito. Mas a palavra carrega um peso de responsabilidade em si. Porque a expectativa se mal gerida, vem acompanhada de cobranças ao outro, e o que era um sentimento se torna um problema quando externalizada. Do lado oposto, também existe um problema de que dificilmente alguém disposto a suprir as expectativas de um parceiro, por exemplo, poderá adivinhá-las caso elas não sejam externalizadas. E quando a expectativa inclui justamente a espontaneidade da ação, entramos em um paradoxo. Como cobrar alguém de algo que cobrá-lo já invalidaria sua ação? Pedir a todos em sua volta que preencham o vazio deixado justamente pela ausência dos que estão a sua volta? Porque existe uma linha que divide as suas vontades e necessidades da individualidade do outro, e mesmo dentro de uma relação onde alguns acordos são firmados, essa linha não pode ser ultrapassada. E entender as expectativas que você mesmo coloca sobre seus amigos, parceiros e familiares é entender justamente que a vontade deles deve sim ser absoluta em seus atos, que impôr o que você espera deles não deve ser uma opção. O diálogo deve existir, a reflexão, mesmo que como guia para o processo e decisão, mas a decisão final é sempre individual. Escolhas que devem ser respeitadas, mesmo que elas tenham consequências negativas previamente apontadas. Infelizmente o aprendizado pessoal, como o próprio nome diz, é pessoal. A maioria das pessoas só entendem a dor quando é na própria pele, e nem todos estão dispostos a abrir mão das suas vantagens pra diminuir uma desvantagem (ou em benefício) do outro. O exemplo e o diálogo podem existir mas, mais uma vez, a decisão final é sempre do outro. Escolhi viver o que eu espero dos outros, em vários níveis. Não ter medo de ir atrás, de abrir mão de algumas coisas se julgar que o benefício geral será maior do que o meu próprio. De me expôr e falar sobre o que eu penso e o que eu sinto, pra não deixar dúvidas ou lacunas. Mas como todo o resto, é uma decisão minha, sobre como eu vejo o mundo. Não é algo a ser cobrado do outro. Eu decido como eu vivo minha vida, os outros decidem como vivem a delas. O que me resta é esperar pelo melhor e diminuir as expecativas.

quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Beleza.

O que é bonito não tem data de validade
Não tem idade, não tem cor
A beleza transpassa os limites da cidade
E significa mais que as intenções do autor
Das tribos originais aos homens de terno
Do Egito Antigo a Nova Babilônia
Das colônias em marte ao Homem Eterno
Sempre haverá espaço para o que é belo
A fluidez do traço que hipnotiza
A brisa nos cabelos e o calor do abraço
Um quadro na parede sem significado aparente
Que acalma o coração de quem pousa os olhos
A montanha além do mar que inspira os poetas
Certas manhãs que se equilibram na cor certa
Perto de tudo o que há em desarmonia
E o que se perde em decomposição
Quando sobrarem só restos de civilização
Olhe pra trás e lembre, é a beleza que fica.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Bússola.


Quando a bússola parou de funcionar, comecei a seguir as estrelas. Mesmo com o vento contra, consegui chegar mais longe do que imaginei. Aprendi a me guiar olhando para o céu e assim foi minha vida inteira, sentia pena de quem dependia de instrumentos tão ultrapassados para indicar a direção. Minha orientação vinha do além-tempo, de pontos luminosos que nem existem mais mas marcaram os céus com sua presença e vão continuar marcando por anos-luz depois de mim. Mas um dia acordei com o céu nublado, sem infinito em nenhuma direção. Acordei perdido e cansado, me perguntando a quanto tempo estou na contra-mão. Procurei meus velho referenciais, não encontrei ou não soube usá-los. Olhava inutilmente pra cima como se por dó as nuvens se abrissem pra mim, não aconteceu. Escolhi ao acaso um caminho a seguir, torcendo para que não fosse o pior e ali fui enquanto as estrelas não voltassem. Caminhei por dias, meses, anos, sem chegar a lugar algum. O tempo continuava fechado e meu tempo acabava-se aos poucos. Objetivos, sonhos, metas, tudo que era tão claro foi ficando para trás no caminho enquanto eu esquecia como me guiar e minhas pernas perdiam força a cada passo. Até que, chão. A falta de referencial me atinge como pedra e desisto. O sangue escorrendo esquenta meus dedos e enquanto eu perco a consciência de costas no chão, vejo ele novamente no céu. O Cruzeiro do Sul.

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Períodos.


Gosto de cigarro, taça de vinho
Entro no carro, coloco o cinto
Guiando você pelo meu caminho
Sua coxa é quente, sinto e deslizo
Intenção pulsante, objetivo sombrio
Você cheira a álcool e suor frio
Então me provoca a cada sorriso
Puxa com força, seu beijo é um tiro
Me tira do sério, queima o pavio
Não me aguento, paro no meio fio.
Te coloco no colo, 'cê pede, eu tiro,
Nossos corpos se encostam, embaça o vidro
Momento de êxtase, em pensamento anuncio:
Menos uma noite sozinho.

O interfone toca, o porteiro anuncia
Te recebo na porta, "você está linda"
Você me pergunta se pedi comida
Que tem pouco tempo, está de saída
Só veio me ver, bagunçar minha vida
Os copos e pratos acumulam na pia
Me joga no sofá, você vem por cima
Sua bolsa no chão, seu celular vibra
A gente ignora, seu chefe te liga
O suor se mistura, o ritmo sincroniza
Os corpos contraem em perfeita sintonia
Você se levanta, recolhe sua calcinha
Com um beijo no rosto sinaliza a saída.
Mais uma tarde sozinha.

Observo seu rosto, respiração lenta
Você sonha com algo, expressão serena
Vira de lado, numa ação desatenta
Te abraço apertado, me desorienta
Me abraça de volta, quase por pena
Sol invade a janela, ilumina a cena
Fotografia perfeita, coisa de cinema
Apresentação única, você é o tema
Seus olhos se abrem, minha tensão aumenta
"Bom dia, bebê", ela diz sonolenta
"Volta a dormir, já cancelei sua agenda"
Outro sorriso, meu coração não aguenta
Minha mão desliza nas costas e desenha
Um dia como esse não precisa de legenda
Volto pra lugares que minha mente frequenta
Primeira manhã e o fim do poema.

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Perdi a chave.

As metáforas pouco valem diante da verdade que sou obrigado a encarar. O que veio de um processo quase natural inevitavelmente teria consequências catastróficas. Não sei mais se tomar o controle das coisas foi um processo lento e doloroso, mas eventualmente eu consegui e me orgulho muito disso. Mas sinais surgiram nos últimos meses de que algo estava errado. Quer dizer, os sinais sempre estiveram ali, mas foram só nos últimos meses que fui obrigado a não ignorá-los. O grande quadro branco com um ponto preto no meio em que eu me esforçava tanto pra manter a consciência do ponto apesar de não focá-lo que eu ignorei que o quadro estava coberto de outros pontos de tamanhos e densidades diferentes. Nosso cérebro prega peças demais. Daí pra descobrir que na verdade o que eu escondia dos outros já não estava sobre meu controle foi um passo longo e doloroso. Eu guardei o que eu considerava nocivo tão bem guardado, e me orgulhava de não estar ao alcance de ninguém, que eu perdi a chave. Simples assim. Agora que me vejo na necessidade de não guardar mais essas coisas e aprender a dominá-las de outra forma, não tenho mais acesso. Infelizmente a senha se perdeu em alguma atualização antiga. E isso me desmontou demais. Eu estava planejando a melhor forma de poder divulgar o que eu escondia para o mundo quando bati a mão no bolso e senti o frio na espinha. O crescimento contínuo e pessoal que vinha fazendo encontrou um muro alto demais para pular e que eu mesmo construí, a única solução é dar a volta em um novo processo longo e cansativo, para depois continuar seguindo em frente. Quando eu era jovem, eu me permiti uma transição brusca de tudo que eu acreditava que eu era. Hoje não tenho mais cabeça pra isso, não posso me dar ao luxo de ser algo completamente diferente. Mas alguns pontos são necessários e o processo agora é milhões de vezes mais difícil. Além de tudo preciso lidar com as consequências de escolhas do passado. Eu estava em um labirinto, perdido, mas com consciência de que existia uma saída. Encontrei a saída e percebi que perdi a chave no caminho. Eu sei que ela está ali em algum lugar, infelizmente terei que voltar o caminho inteiro procurando.

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

O caminho para dentro é mais longo.

Quanto mais eu entranho em minhas camadas
Mais coisas erradas eu encontro.
Sigo tonto, tropeçante, vacilando a todo instante.
Descobrindo tudo aquilo que insisto em reprimir.
Sumir não é o caminho,
Algumas jornadas precisamos fazer sozinho.
Mas por que é tão difícil enxergar o que está tão perto?
Certo que de tão próximo se escondeu
e o caminho para dentro é mais longo que o caminho pro céu.
Mas reprimo novamente, corpo sob mente,
Porque continua essa estrada emocional
Se não me forçar ao próximo passo
O próximo lugar que passo pode ser o final.

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Vende-se.

Caiu a parede que sustentava o espelho,
O rejunte, velho e moído pelo tempo, não segurou.
Cairam também as colunas, chão e teto.
De tudo que construímos, muito pouco que restou.
Entulhos jogados em terra batida,
Terreno baldio, infértil e sem cor.
Na placa de vende-se, anuncio a vida
Como em um vaso que não nasce mais flor.