domingo, 9 de março de 2014

O Menino.



Lembro da primeira vez que eu segurei uma pistola. Minha mão infante e trêmule mirando um conjunto de garrafas a uns 40 metros. Meu pai via as lágrimas escorrendo do meu rosto e não expressava a mínima compaixão. A vida era assim e eu já estava passando da idade de aprender a empunhar uma arma.
Eu não era do tipo que dava orgulho para o pai. Não era muito habilidoso no campo nem muito inteligente. Falhava em tarefas básicas e o doutor falou que eu não passaria dos dez anos. Na época eu me sentia muito mal com isso tudo. A cara de decepção do meu pai me doía, e os abraços de consolo da minha mãe me doíam mais ainda. Ele me dizia que o mundo lá fora era perigoso, que ele tinha passado coisas horríveis no Álamo e que ia me transformar no homem que o pai dele o transformara. Então desde o meu oitavo aniversário ele me fazia treinar com a pistola diariamente, mirando em latas velhas de conserva.
Lembro também de me esconder embaixo das tabuletas enquanto um grupo rival invadia minha casa. Minha mãe chorava em desespero e meu pai oferecia o próprio peito para que nos poupassem. Eu chorava silenciosamente, obedecendo as ordens do meu pai de não denunciar minha posição, enquanto ouvia os tiros e em seguida o cavalgar se afastando. Saí do meu esconderijo para encontrar meus pais dormindo em uma poça de sangue. Acho que era isto que meu pai tentava me preparar.
Por dois dias seguidos eu chorei enquanto observava o corpo deles sem vida. No terceiro dia, eu os enterrei junto com seus pertences como me fora ensinado. No pasto, um potro manco e magro me observava, como se esperasse que eu o alimentasse. Isso me lembrou que há dias eu não comia também. Peguei um pedaço da carne salgada ao sol e dividi entre mim e ele.
Fiquei na casa enquanto ela me aceitou. Os recursos foram se esgotando enquanto eu treinava ao lado do meu novo amigo. Eu iria ser tudo que meu pai esperava de mim. Por dois invernos eu encarei o túmulo dos meus pais enquanto me tornava o melhor atirador que eu pudesse.
No começo da terceira primavera, meu corpo já crescido um pouco e meu cavalo já rápido como bala, juntei algumas roupas e fui até a cidade mais próxima procurar munição e um trabalho.
Desensinado do mundo, mas muito disposto a aprender, limpava o chão de um bordel da região. Ganhava algumas moedas, mas a maior parte do pagamento vinha em serviços do local. Lá eu aprendi a ler, escrever e a amar com as prostitutas mais disputadas da cidade. Fui adotado por grandes figurões da cidade, como o prefeito e o xerife que se divertiam com meu silêncio e minha falta de passado. Acumulava minhas moedas no fundo de um baú na despensa que me servia de quarto.
Um certo dia, um senhor chegou a cidade ordenando as melhores putas da região. Entrou no bordel e foi tratado como um rei, todos já o conhecia,. Parecia alguém importante, dessas pessoas que transpiram respeito. Enquanto se entupia de rum, mandou me chamar. Eu, com muito mais porte agora do que quando cheguei, fui humildemente.
“Seu rosto me lembra muito alguém muito importante pra mim. Por acaso você conhece alguém que lutou no Álamo?”
“M-meu pai, senhor”.
“Seu pai, meu jovem, pode ser o homem que salvou minha vida. Por onde ele anda?”
“Morto, senhor. Assassinado.”
“Sinto muito em ouvir isso.”
Eu mal conseguia encará-lo nos olhos, não pensava em meu pai desde que deixei tudo para trás.
“Se for do seu interesse, você pode se juntar a mim e conhecer várias cidades e pessoas. Quem sabe em algum desses lugares você conforte seu coração e eu pague minha dívida com ele. Ajeite suas coisas que pela manhã compraremos um cavalo para você e saíremos da cidade.”
“S-senhor, eu já tenho montaria.”
“Esse menino é um achado!”
Durante toda a noite, ele se divertiu ao lado das moças do bordel. Pela manhã, elas me prepararam um café da manhã de despedida e me deram um chapéu. Olhei para cada uma delas, ajeitei minhas coisas no Faísca e percebi que agora eu estava pronto para me tornar um homem. Meu pai deu seu jeito.