quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Mancha.

No esforço de apagar minha história
Rasguei e manchei o papel
A marca ficou na memória
Como sangue em um chão de hotel
Que desconforta quem chega por lá
Ou se tampa com um carpete bonito
Apagando um trauma pesado
Como se não tivesse sido escrito

Mas a marca não mente
E expõe que esconde
Quando de repente
Surge não se sabe de onde
Mostrando a história que não foi contada
Obrigando a lidar com o que aconteceu
Voltando sempre pra página virada
Trazendo de volta o que já morreu

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Mas nada disso...

A insuficiência foi algo que sempre me marcou. Aquele sentimento eterno de dar seu melhor, oferecer resultados positivos, crescimento, uma boa experiência e ainda assim... ver isso tudo escorrer pelos dedos. Talvez por ter sido criado num ambiente de insatisfação constante, o que até me deu certa liberdade de entender que se por mais que eu me esforçasse eu não agradaria me permitindo focar minhas energias nas coisas que eu realmente acreditava. Mas o subconsciente tá aí pra não deixar nenhum sentimento ruim ir embora sem rasgar seu peito primeiro e, por toda minha vida, em todos seus aspectos, a insuficiência minha diante do outro se fez presente. O trabalho é um exemplo perfeito, onde você pode ser o melhor, gerar lucros, elogios, prêmios, inspirar outras pessoas, e ainda assim ser diminuído ou negado reconhecimento por causa do ego ferido de outra pessoa que tem mais poder circunstacial e menos capacidade técnica. Em relacionamentos isso também se faz presente, onde a imagem idealizada do outro sobre você, ou sobre sua posição, dificilmente estará alinhada com a realidade e, mesmo se estiver, outras demandas e traumas estarão no caminho para dizer que nada daquilo é o suficiente. O ser humano é falho, e a convivência com o outro torna a nossa experiência delicada. O esforço ou performance individual tem pouco impacto na socialização porque diversos outros elementos filtram ou esbarram na percepção. O que você faz, quem você é, não é necessariamente, e muitas vezes até diverge completamente, da percepção do outro sobre você. Daí caímos num espiral de frustrações, de um lado por não conseguir entregar o que o outro espera e por outro por não ter o que se espera.

Me chamou atenção nesse fim de ano a música "Solamento" da banda Tuyo. Mesmo não tendo percebido de primeira o porque daquela música me tocar tanto, foi parando um pouco pra refletir na letra que entendi completamente o que ressoava tanto em mim. A música fala justamente da insuficiência, no caso em um relacionamento amoroso. Como o eu-lírico pode se adaptar da maneira que for, ou mesmo ser o que for, e isso não será o suficiente para trazer a pessoa amada de volta, e como aprender isso é um processo cruel. Penso um pouco na minha experiência com a banda, onde gravei um vídeo deles em um show e, por um problema com o áudio da gravação, a entrega do vídeo atrasou alguns meses. Com o problema resolvido e tendo uma das coisas mais bonitas que eu já registrei pronto para ser lançado, entramos em contato com a banda para avisarmos do lançamento e fomos ignorados completamente. Não por serem escrotos, muito pelo contrário, são um dos artistas mais doces e simpáticos que eu já convivi, mas por ignorância nossa eles estarem lançando um outro clipe, muito maior, na mesma data. Em meio a tantas preocupações, não nos cabia cobrar deles um mínimo de atenção a algo secundário na vida deles, por mais importante que fosse na nossa vida. Não são vilões, são pessoas com suas demandas que, naquele momento, não se encaixavam com a nossa. De uma maneira bem literal, nosso melhor não foi o suficiente para se encaixar na demanda daquelas pessoas que não tinham a menor intenção de nos fazer mal. Deixo aqui o vídeo que produzimos da canção "Boi".


quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Estômago.


A sensação na boca do estômago
o gosto de vômito na boca
A queimação que esquenta e derruba
na primeira gota de pimenta
O café de bom dia que acaba com seu dia
A coca que traz dor não traz prazer
Até onde seu estômago aguenta?

O homem que pede dinheiro no sinal
A mãe que não consegue alimentar seus filhos
O trem que mata cem ao sair dos trilhos
O jovem armado na escola numa terça normal
A criança que não tem o que comer em casa
O político que rouba sem consequência
A cicatriz feita a brasa
Por um marido com pouca paciência
Até onde seu estômago aguenta?

Estender a mão quando não se está de pé
Tirar da boca pra alimentar alguém
Pular do penhasco num salto de fé
De que depois do chão tem algo além
Do soco no estômago que te desnorteia
Rindo de quem ri de barriga cheia
Se você é menor que a barra que você enfrenta
Me diz, até onde seu estômago aguenta?

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Sono.

Ontem quis ser seu travesseiro
Entre suas pernas e seus braços
Na sua nuca sentir seu cheiro
No seu calor estar guardado
Queria ser seu cobertor
Trazendo calor e proteção
Roçar suave entre seus pés
Entrelaçar em suas mãos
Queria ser sua janela
Entreaberta com a luz da lua
Deixa o vento passar por ela
E ilumina a noite sua
Queria ser o sol que te desperta
Trazendo calor para seu rosto
Com a permissão da cortina aberta
Liberta você de maus sonhos