quinta-feira, 16 de junho de 2022

Data estelar.

Diário de Bordo, data estelar eu já perdi a conta. Derivo sem sol ou Lua nem sei mais a quanto tempo. Escrevo pra não esquecer das palavras ou do som do meu lamento. Romper a barreira da luz tem o seu preço, ser o primeiro também significa chegar sozinho. Sobrevivo. No universo tudo é noite mas o sono não vem. Penso nos planetas distantes, nas luzes cada vez mais fracas do que um dia me esquentou. Continuo em frente rumo a não sei o quê. Cada dia mais longe e cada dia mais perto. Certo seria eu voltar pra trás mas a essa velocidade não sobreviveria até lá. Catálogo novos sistemas, planetas e formações. Escrevo com cuidado cada detalhe que consigo capturar, pois assim como surgem eles logo vão embora. Mas eu sigo, e sigo sendo minha única companhia. Meu último "boa noite" e meu primeiro "bom dia". Sempre mais perto, sempre mais longe. Esperando chegar ainda não sei onde.

quarta-feira, 25 de maio de 2022

Coisa à toa.

Que bobagem
Uma coisa tão à toa
Tão pequena e reduzida
Irrisória e risível
Diria até que desprezível

Tempestade em copo d'água
Uma agulha no palheiro
O caroço do angu
Engrossado o dia inteiro
Um cisco no seu olho

Você viu os ipês?

Você viu os ipês?
Viu as cores do céu
Me lembraram de você
E sua paleta pastel

O canto dos passarinhos
De manhã na minha janela
A marca nas taças de vinho
O post it na minha tela

O jeito de abrir a lata
O nó errado da gravata
Hoje eu lembrei demais
De tudo que eu não lembrava

E até a minha rua
Você deu o seu jeito
De fazer dela sua
Mas que falta de respeito

Suas roupas, o seu cheiro
O seu corte de cabelo
Hoje eu lembrei demais
E não vou nunca esquecê-lo

E doeu né, sempre dói
Quem vai embora
Não tem dó do que destrói
Mas foi bom, né, sei que foi
O presente não
Depende do depois

segunda-feira, 14 de março de 2022

Perdido.

Tem esse lugar que vivo voltando
Onde minha mente deixa de reconhecer meu corpo
Flutuo num espaço sem reconhecer o todo
Escuto o silêncio ecoando

Qual peça falta para terminar
Qual impulso que eu não consigo
Qual desejo a se realizar
Qual caminho não foi percorrido

Há uns meses eu me perdi aqui
E tive que forçar minha saída
Usando toda a energia que eu reuni
E toda a força que acumulei na vida

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Peito.

Deixa eu ler teu peito em braile
Conversar na língua secreta
Que sua língua me ensinou
Segura minha mão, meu peito, meu pescoço
Ouça o silêncio que precede
Água que não mata a sede
Mas molha a cama e meu rosto
O gosto que espalho em sua coxa
Deixo roxa a marca dos dentes
Sente o peito batendo forte
No bater dos corpos pousa minha sorte
Feito e cansado no mesmo lado
Deitamos com o coração colado

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Três da manhã.

Que horas são?
Já passou das três
Ainda tem gente na rua
Volta pra cama, tá frio aí
Só queria ver onde a Lua estava
Nem sempre ela vai estar te esperando
Eu me sinto mais seguro quando a vejo

(silêncio)

Trouxe a coberta pra você
Não precisava, volta a dormir que eu já vou
Não vou conseguir dormir sozinha
Bobagem, você sempre dorme
Mas agora que acordei vou me juntar a você

(silêncio)

Você está dormindo em pé
Vou pra cama, vamos?
Vou sim.
Você acha que amanhã ela vem?
Quem?
A Lua.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

A gente se fala.

Você olhou no relógio mais uma vez
Eu olhei pra você preocupado
Será se tava chato?
Ou tinha outro lugar
Que você gostaria de estar

Você me abraçou distante
Se despediu sem graça
"A gente se fala" no tom
De quem nunca mais vai se falar

Queria mandar parabéns
Vi que é seu aniversário
Mas tem tanto tempo
Que eu nem sei por onde começar

Será se você vai querer de volta
A blusa que ficou pra trás
Você ficava tão bonita com ela
Eu devia te entregar um dia

Te vi num café outro dia
Você parecia feliz em me ver
Disse que tinha mudado de cidade
Mas que a gente devia se topar por aí

Lembra quando a gente existia?
Completando frases e combinando roupas
É como se sempre faltasse algo
E toda ideia se perdesse no ar