quinta-feira, 15 de setembro de 2016

O rio.

A vida vai como flui o rio
Entre a violência e a calmaria
A pedra bate sem dar aviso
O corpo afunda pela água fria
Cada mergulho uma aposta
Cada segundo a pele arrepia
A gente reza mas, no fim das contas,
Não sobrevive pra um novo dia.

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

O fim das coisas.


É estranho quando a gente descobre que as coisas acabam. Quando somos crianças, quase tudo existe desde que a gente nasceu e sempre surgem coisas novas, dando aquela sensação de que as coisas são infinitas e sempre haverão mais coisas. Lembro a primeira vez que eu descobri que algo acabava. Todos os dias depois da aula eu assistia TV Cruj. Era apaixonado pelo mundo onde aquelas crianças eram capazes de invadir um sinal de tv do porão de casa e criar sua própria programação. Talvez até foi aí que me veio a vontade de trabalhar com comunicação e criar conteúdo pra que as pessoas assistissem. Enfim, eu assistia todos os desenhos, me vestia como eles, falava como eles. Eram o role model que meu eu pré-adolescente achou em meio a tanta bagunça na cabeça de uma criança. Entre eles, um gordinho meio desengonçado, com humor pontual e que estava ali não pra chamar atenção, mas pra mediar e fazer as coisas acontecerem enquanto seus amigos brilhavam. Cara, como eu era fã do Macaco! Ele era o símbolo que mesmo fora dos padrões e confuso pra caralho sobre minha personalidade, eu poderia ser admirado por alguém como eu o admirava. E foi dele mesmo o baque. Não me lembro exatamente como foi, em uma época pré-internet a gente não ficava sabendo dessas coisas antes. Mas em uma tarde qualquer, ele anunciou sua saída. Aquilo acabou comigo e inclusive acho que foi o primeiro passo de um desânimo que fui pegando pela tv nos anos seguintes. Eu chorava demais, não entendia porque que o meu personagem preferido tinha que sair. Lembro demais do meu pai me abraçando e me explicando que às vezes, quando a gente cresce, a gente precisa deixar algumas coisas pra trás. Engraçado, justo meu pai, que nunca foi de conselhos e frases de efeito, falou uma das coisas que mais me marcaram na vida. Levo isso comigo desde então. Lembro de alguns anos depois, chegar um dia da escola e separar todos meus brinquedos para que fossem doados. Sem traumas, sem sugestão. Lembro quando mudei do apartamento que cresci e fiquei responsável por organizar e acompanhar toda a mudança que meus pais não poderiam fazer. Todos diziam que eu estranharia demais as primeiras noites, mas nunca dormi tão bem. Durante minha adolescência vi minhas bandas preferidas acabarem no auge da minha comoção, vi amores platônicos virarem as costas para mim sem motivo algum, fui abandonado literal e metaforicamente por inúmeras coisas que eu amava. E foi isso que eu eu entendi da vida adulta: as coisas vão embora e você não tem poder sobre elas. Com o tempo a gente aprende a lidar, ou pelo menos sobreviver. Aprender que mesmo que parte do que te faz você vá embora, as marcas e as memórias vão ficar lá pra sempre. E com isso a gente entende a perda e se culpa menos quando somos a perda de alguém. A vida, sua e dos outros, continua, com ou sem você.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Desaprendi.


E eu que desaprendi a escrever? Não como um idoso com alzheimer que não consegue mais repetir a técnica, ou um jovem disléxico que vê no dicionário um difícil labirinto, eu só não consigo mais. A inspiração, muitas vezes forçada numa funda respiração, agora nem debaixo d'água parece em encontrar. E quando me forço, faço força e me esforço, o produto final vem tão sem alma que é eu prefiro enterrar. Mais que um arquivo na lixeira, eu já apago a informação dentro dele praquele texto não voltar pra me assombrar. E as ideias, que vez ou outra ainda insistem em pipocar em versos, conceitos ou frases de efeito, somem ao menor sinal de distração. Refaço o caminho, tento reconstruir o pensamento, mas quando chego no mesmo ponto olha para um muro vazio que eu tinha certeza que tinha alguma coisa a última vez que passei. A caneta tem sido mais minha companheira que o teclado, porque o teclado é volátil e a caneta me impede de simplesmente apagar e esquecer o que estava pensando. E a vontade é essa. A gente escreve e lê tanta bobagem por aí que não sobra tempo pra se expressar. Nos pequenos tweets, nos textões do whatsapp, nas discussões do bar e nas brigas por telefone. O que sobrou para a literatura? Nada. Galopei no velho oeste e viajei no espaço sideral com o mesmo vazio em que peguei metrôs e encarei minha tv. A gente se expressa por esporte e esquece que pra alguém aquilo significa alguma coisa. O conceito que gerou uma epifania, o texto que fez chorar, a frase que inspirou a continuar. Tudo está aí, num mar de informações, pra que alguém pesque em algum momento. Mas eu me afastei. Não consegui acreditar mais no que eu dizia. Os mundos inventados não se valiam nem como metáfora. Era tudo tão oco, tão plástico, que eu nem queria mais assinar. E a mesma facilidade que a prosa virava verso, ela se perdia num mundo de bits num simples deletar dos dedos. Mas quem decide quem é poeta? Quem decide que é escritor? Cadê o teste de talento pra validar quem pode e não pode publicar? Se às vezes você quer um americano na lanchonete e mas depois você quer voar pelas estrelas em um foguete individual, não sou eu quem decido o tamanho dos seus sonhos. Eu só quero reaprender. Sem alarde e sem cobranças. Quero a confiança pra poder voltar ao jogo. Quero perder a mecanicidade, conseguir seguir o fluxo de ideias, sem cobrança, só deixando fluir. Mas desaprendi e, cara, tem feito uma falta danada.