sexta-feira, 9 de março de 2018

Precipício.


Dizem que quando você olha o precipício, ele olha de volta para você, mas eu tinha certeza que ninguém me olhava naquele momento. Andei por quilômetros e caminhos improváveis para me ver o mais sozinho que eu pudesse estar. Meu grito ecoaria pelas montanhas mais próximas mas não chegaria aos ouvidos de nenhum ser humano que pudesse me impedir. Pelo caminho eu repassei todas minhas decisões que me trouxeram até aqui. Todos os tropeços e injustiças que me fizeram aos poucos perder a fé não só na humanidade como no meu próprio futuro. Viver em sociedade não me recompensava mais, o trabalho, a família, os amigos, eu era apenas um enfeito empoeirado em um móvel próximo a televisão. E foi quando percebi que eu não tinha um futuro brilhante pela frente que comecei minha caminhada. Aos poucos parei ir atrás das pessoas, com o tempo elas pararam de insistir também. Em outra cidade, minha família mal acompanhava meus passos e no meu trabalho demoraram alguns dias pra perceber que eu nem ao menos estava lá. E foi caminhando até aqui, no frio da noite e no suor da tarde, que pude entender melhor o quão pequeno eu e minhas ações somos. Deixar de lado o ideal de mudar o mundo ou de fazer as pessoas mais felizes. Separar o lixo foi em vão, assim como ajudar senhoras a atravessar a rua e me manifestar quando presenciei injustiças. Enquanto me arranhava entre arbustos e me protegia da chuva em copa de árvores gigantes, minhas preocupações foram diminuindo e com ela também minha dor. A dor de ter machucado tanta gente, de ter me machucado tanto, me culpado e conscientemente errado tanto. Por tentar corrigir meus erros tarde demais. Não ter sido forte ou insistido pra que as pessoas não fossem embora. Continuei por alguns dias, confesso que em algum momento eu perdi a conta, mas foi só quando achei onde subir e comeci a sentir o ar se tornando cada vez mais rarefeito em meu pulmão, o corpo pesado e desacostumado, que senti o peso da minha decisão. As inseguranças voltaram, o sentimendo de covardia de ter deixado tudo para trás foi crescendo com força. Agora, dando mais um passo em direção ao precipício, minhas preocupações somem novamente. Tira o óculos como em um movimento simbólico de negação da sociedade. Tiro também meu cinto e meus sapatos. Abro os botões de minha camisa e começo a sentir o vento bater em meu peito. Abro os braços naturalmente, e penso como quem está vendo de fora deve estar me achando ridículo. Me posiciono mais a frente, meus pés já fora da borda. Respiro fundo para dar meu próximo e último passo. Chegou a hora. Antes que eu pudesse me despedir de mim mesmo, perco o equilíbrio, tento me lembrar do que eu estava fazendo por um último instante. Então percebo que estou voando.

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