quinta-feira, 22 de março de 2012

Doc Brown


Queria voltar no tempo, consertar tudo de errado
Fazer coração partido virar coração colado
Com super-bonder, durex, ou costurar com linha
Pra bombear plaquetas e hemoglobina

Se eu pudesse também seria doutor:
Para curar câncer e acabar com a dor
Não ver ninguém morrer de tuberculose
Prescrever remédio e regular sua dose

Agora, se fosse médico e temponauta
Eu mataria saudades de quem sinto falta
E levaria mensagens de quem não pode ir

Porque ser médico não é só sobre poder curar
Também tem que saber a hora de abraçar
E dizer existe algo além daqui

sexta-feira, 16 de março de 2012

Não existe amor em sonetos


Dizem que há muito tempo atrás
Um sujeito bobo inventou o amor
Mas como era bobo aquele rapaz
Ele não se lembrava onde o colocou

Mas o tempo passou e o amor virou lenda
Na cabeça de meninas e nos livros de história
Você era jovem demais para que entenda
Ou velho demais para que dê bola

Até que um dia só restou a questão
Se o amor um dia existiu de verdade
Muitos diziam que sim outros diziam que não

Em São Paulo, o amor não se encontrava
Muito menos em qualquer outra cidade
Se existiu um dia, ninguém mais se lembrava

quinta-feira, 15 de março de 2012

Carne pra churrasco.


"Pode deixar que eu compro a carne", foi a coisa mais idiota que ele já disse. E quem dizia isso, mais uma vez, era ele. Ele encarava a prateleira com mil pedaços de carne, peças inteiras, todos os tipos e variedades e, simplesmente, ele não tinha idéia do que comprar. Ele olhava para todos os lados procurando alguém para copiar mas pelo que tudo indicava, aquele era o domingo a tarde com menos pessoas comprando carne para churrasco na história da humanidade. Ele andava com o carrinho vazio pelos corredores para disfarçar um pouco o fato de não saber o que estava fazendo e passava pela área de carnes, as vezes encarando uma ou outra embalagem com interesse. Tinha alguns nomes na cabeça: "Maminha, picanha, filé", mas não tinha certeza se essas eram carnes pra churrasco. Podia levar uns 50 miojos com todo o dinheiro que tinham entregado pra ele, todo mundo ia comer pra caramba, com certeza. Ele mesmo sabia umas quatro ou cinco receitas de miojo. Foco na carne. O moço do açougue no supermercado parecia estar muito ocupado lá no fundo fazendo alguma coisa muito interessante. Ninguém parecia se importar. Uma velha pegou uma tábua de bifes, ele podia fazer o mesmo. Não, não, seus colegas iam te matar. Apesar que... existia uma possibilidade. Uma coisa que ele tinha certeza que se arrependeria. Uma coisa que ele jurou nunca mais fazer. Uma coisa que abriria a porta para mil possibilidades onde nenhuma terminaria com ele feliz. Mas era ou isso ou mostrar pra sociedade que ele, filho de gaúchos, crescido ao lado de vacas e facões, herdeiro de toda uma rede de churrascarias do sul do país, não entedia de carnes. Era a única opção:
"Alô?"
"Ana Cláudia?"
"Eu não acredito que você está me ligando depois desse tempo todo."
"Pois é, eu tive que me afastar, né?"
"Você não sabe o que eu tive que enfrentar... meus pais mal olhavam na minha cara."
"Calma, Ana Cláudia. Preciso da sua ajuda."
"Minha ajuda? Que cara-de-pau. Some por mais de seis meses e me liga pedindo ajuda?"
"Desculpa, Ana Cláudia. É que... sabe o Carlinhos? Ele estava dando um churrasco aí precisavam de alguém para comprar a carne e todo mundo começou a brigar e eu meio que me ofereci..."
"Você é um filho da puta."
"Espera, Ana Cláudia."
"Você é um filho da puta, desalmado. Eu espero que sua alma apodreça no inferno e que você seja estuprado pelo capeta."
"Ana, você tá sendo irracional."
"Calaboca. Não me ligue nunca mais. Só quero ouvir seu nome novamente quando me convidarem para o enterro."
"Ana Cláudia! Eu... eu..."
E ela desligou o telefone. Acho que oito quilos de linguiça dá. Ele comprou o resto de cerveja e voltou para o churrasco.

O Beco


Às vezes a vida te coloca em um beco. Uma encruzilhada talvez definiria bem a situação. De um lado você tem seus preceitos morais, suas certezas, suas verdades. Do outro você tem o que faz sentido. Porque a vida, essa malandra, ela sabe que escolher entre o bem e o mal é muito fácil, então ela te dá duas opções onde as duas te farão bem e mal da mesma maneira. A diferença está em que parte de você cada uma delas vai afetar. Aí você escolhe o com resultado mais rápido. É bom ver os frutos do que você plantou, todos temos essa necessidade de resultados imediatos porque vivemos o agora. Esse é o momento, somos jovens e temos tempo pra errar e consertar as coisas. Mas como todo o resto, o agora é passageiro daqui a pouco o agora é a realidade que você não queria ver. O resultado das suas decisões chegam para te dar um soco na cara, aquele soco que você vem se preparando pra receber mas percebe que não tinha como saber o quanto ia doer. E dói. A marca dos dedos fica, as pessoas perguntam curiosas. E consciente de que é o único culpado, você não aponta dedos. Eram dois socos e você teve a chance de escolher o que vinha depois. Pelo menos você teve a chance de aproveitar toda a vida antes de ser acertado. O primeiro soco teria doído menos? Teria demorado menos para passar? Não sei e, sinceramente, não quero mais saber. As escolhas foram feitas e temos que conviver com cada uma delas. Tinha como desviar do segundo soco, mas mereci e não estou aqui para me proteger. Vai demorar pra parar de doer, visto que ninguém tá se esforçando muito pra cuidar disso, mas é bom que assim a gente aprende com a dor. Ela te lembra da escolha e te lembra que na vida você vai ter que fazer muitas outras escolhas como essa. Não me arrependo do caminho que segui porque sei que em breve todo mundo vai ter que fazer essa escolha e passar por tudo.

Moral da história? Depois que você escolher o caminho, vai até a o final sem olhar pra trás. Moving on.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Drogas.

metanfetaminas disfarçadas de meninas
safadas e viciantes, ligadas a cento e vinte
mil volts, alto-falantes bem altos incomodando
os vizinhos ou barulhinhos discretos que só
se ouvem de perto, te amassa contra a parede
sem saciar sua sede de mãos suadas e pulsantes
passando por curvas quentes de sangue
por baixo do seu vestido e sussurando ao
ouvido palavras doces e suspiros que nenhuma
outra droga pode causar além de mim.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Sobre o Risosponto.


Essa semana, uma semana cheia de assuntos polêmicos, fúteis ou não, revoluções e guerras virtuais, pela primeira vez em um ano e alguma coisa, eu tive saudades do Risosponto.
O Risosponto, para quem não conheceu, era um blog meu com o (atualmente) Pedro Ascar e o Gabriel Mota, editores do site OH!FUCKMusic. A premissa era basicamente analisar o que estava acontecendo na mídia e na sociedade com humor e com uma linguagem facilitada, atingindo um público ali no início da sua adolescência, público este que herdamos de uma série de vídeos que Pedro Ascar (em sua encarnação Pedro Vítor, antes de ser Pedro Carvalho) fez com seu primo e chegou a fazer um sucesso bacana no YouTube.
Cada autor tinha seu estilo bem característico e o que mais me marcava e o que eu mais prezava quando eu ia escrever um texto pro Risosponto é que eu tentava sempre passar uma mensagem. Às vezes uma mensagem ideológica, as vezes ensinando mesmo alguns conceitos ou tentando mostrar o outro lado de alguma coisa. O que eu pensava era, por mais que eu não pudesse influenciar milhares, eu poderia levar uma ou duas pessoas a refletirem sobre o assunto e aquilo pra mim já era o suficiente. Não por acaso tratei sobre assuntos mais pesados e consegui (talvez só na minha cabeça também) atingir um público mais velho e mais maduro.
A repercussão foi massa, conheci muita gente legal, tive fãs (olha isso mano), tive leitores (olha isso mano) e até alguns amigos liam meus textos. Foi legal. Até que em algum momento eu perdi o tesão naquilo. Os textos estavam caindo de qualidade, cada vez mais aquilo deixava de ser uma diversão pra mim e virava uma obrigação. Um saco ter que procurar algo pra escrever a cada dez dias (porra, tempo pra caralho pra achar algo pra escrever) e eu larguei. O PV e o Glabo sempre foram muito mais próximos entre si do que de mim, sem dúvida. Gostos parecidos, programas parecidos. Quando saí deixei bem claro que se eles quisessem continuar sem mim eu não teria problemas, mas eles já estavam em outra vibe. Era hora de amadurecer mesmo, continuar com aquilo não ia levar ninguém a lugar nenhum, principalmente nessa Era de piadas traduzidas e imagens compartilhadas em que vivemos. Ninguém quer entrar num blog de "Humor" (não sei como nenhum blog roubou nosso nome ainda) e se deparar com um puta texto imenso sobre o Senado. I let it go and they did it too.
Mas porra! Olha essa última semana! Estupro no BBB, Luiza no Canadá, Sopa, Pipa e a (so called) Terceira Guerra Mundial (online). São 4 pautas sensacionais para textos do Risosponto. Quatro assuntos amplamente discutidos (e amplamente procurados nos sites de busca). Quatro assuntos que poderiam gerar grandes reflexões, que poderia ensinar algo pra alguém, que poderia mostrar um lado disso tudo que não está tão claro. Essa semana cogitei voltar com o Risosponto. Chamar eles de volta ou recrutar uma nova equipe. Eles não voltariam, página virada total, e eu conheço meus amigos, ninguém ali animaria de tocar o site por mais de dois meses. Mas eu queria, porra! Queria poder falar com aquele público de novo, queria sentir que eu estou fazendo algo pra sociedade, nem que seja o mínimo do mínimo.
Você pode dizer: "Ah, mas você ainda tem O Cowboy, pode escrever aqui". Não é a mesma coisa. Primeiro porque são poucas as pessoas que lêem aqui, e ninguém realmente entra aqui pra ver se tem algo novo. Vejo esse blog como se eu fosse um bardo recitando poemas na rua. De vez em quando passa um amigo ou um desconhecido, escuta cinco minutos e fala "É, até que é interessante" e então vai embora. É sempre uma surpresa quando alguém me diz conhecer esse blog, sempre.
Outro problema é que não me sinto muito a vontade de falar de mim aqui. Por mais incoerente que seja, por ser um blog íntimo demais (e frequentado por pessoas íntimas demais), eu evito falar coisas muito pessoais. A maioria dos meus textos são vazios de significados íntimos porque eu simplesmente não "aprovo o texto" quando percebo que estou falando demais sobre mim e sobre o que eu penso. No Risosponto eu não tinha essa preocupação, era uma público genérico que não estava do meu lado todos os dias. Estranho como é muito mais fácil se abrir com alguém que não tem idéia de quem você seja do que com alguém que realmente vai se importar com aquela situação.
Qual a solução que eu encontro? Às vezes eu começo a falar sobre um assunto no twitter, e falo por 15, 20 tweets, mas tudo parece efêmero demais. Parece que ninguém vai ler e quem ler vai passar batido entre piadas e trending topics. Tenho uma porrada de seguidores, mas nunca consigo mais de duas respostas pra uma pergunta qualquer que eu faço. É tudo muito passageiro. Nada fica ali realmente, a mensagem não chega, ninguém reflete nada. No Risosponto sempre tinha alguém que ficou pra trás e foi ler (e comentar) um texto três meses depois. A mensagem estava ali e chegava eventualmente. Sinto falta disso. Hoje a mensagem vai embora. Me falta uma plataforma mais fixa e acessada. Envio a mensagem mas ela some no tempo antes de atingir o alvo. E cara, essa semana eu tinha muito a dizer. Essa semana eu tive saudades do Risosponto.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

O melhor pastor da região.

Ele era pastor numa igrejinha no bairro onde morava. Além de gostar do status que sua posição lhe dava, também ficava muito satisfeito de poder passar uma mensagem interessante para todos. O que mais ninguém da comunidade sabia é que ele realmente não acreditava naquilo tudo. Cresceu num ambiente religioso, o que lhe deu intimidade com a bíblia e com seus ensinamentos, mas começou a se questionar sobre a origem daquilo tudo muito cedo. Com o tempo aprendeu a separar os valores e conceitos da mensagem bruta, o que mudou totalmente sua visão sobre religiões. Ele começou a entender que aquilo tudo era uma grande metáfora, uma ferramenta para manipular a sociedade, não necessariamente para o mal, mas ainda assim, manipular. Não existe realmente um ser superior, não existe céu, inferno, demônios e almas. O que existe é uma simplificação da mensagem para que todos possam digerir. E, também muito jovem, ele decidiu que ia ser pastor. Já que essas pessoas vão dar seu dinheiro para alguém mesmo, que esse alguém fosse ele. Quando completou a maioridade, mudou-se para um bairro mais afastado e começou a fazer mutirões para erguer sua igreja. Sempre falou muito bem, então foi fácil convencer a população a ajudá-lo. Em seu primeiro encontro oficial, eram mais de 200 pessoas na platéia. E falou por duas horas sobre bondade, amor ao próximo, não praticar o mal. Em seus encontros posteriores falou sobre aceitação, problemas familiares, dificuldades no trabalho. Em seis meses, sua igrejinha passou por uma reforma. Ele mesmo não cobrava nada, mas as pessoas, acostumadas com a mecânica, se dispunham a fazer suas doações. Eram três encontros semanais, um na quarta, um na sexta e outro no sábado. Os jovens da comunidade adoravam aquela igreja que, diferente das outras, não era proibitiva, ela fazia os jovens escolher o que era melhor para eles e, surpreendentemente, eles faziam melhor do que ninguém. Em um ano, ele já recebia mais de duas mil pessoas ao total por semana. Todas queriam casar com ele, todos queriam ser como ele. Ele continuava mantendo sua vida humilde, num apartamento de dois quartos financiado pela Igreja. E a maior satisfação que ele tinha, muito além de ser um formador de opinião ou de retorno financeiro, é que em um ano como pastor daquela região, ele nunca tinha falado as palavras "Deus" ou "fé" em público.