quinta-feira, 15 de março de 2012

Carne pra churrasco.


"Pode deixar que eu compro a carne", foi a coisa mais idiota que ele já disse. E quem dizia isso, mais uma vez, era ele. Ele encarava a prateleira com mil pedaços de carne, peças inteiras, todos os tipos e variedades e, simplesmente, ele não tinha idéia do que comprar. Ele olhava para todos os lados procurando alguém para copiar mas pelo que tudo indicava, aquele era o domingo a tarde com menos pessoas comprando carne para churrasco na história da humanidade. Ele andava com o carrinho vazio pelos corredores para disfarçar um pouco o fato de não saber o que estava fazendo e passava pela área de carnes, as vezes encarando uma ou outra embalagem com interesse. Tinha alguns nomes na cabeça: "Maminha, picanha, filé", mas não tinha certeza se essas eram carnes pra churrasco. Podia levar uns 50 miojos com todo o dinheiro que tinham entregado pra ele, todo mundo ia comer pra caramba, com certeza. Ele mesmo sabia umas quatro ou cinco receitas de miojo. Foco na carne. O moço do açougue no supermercado parecia estar muito ocupado lá no fundo fazendo alguma coisa muito interessante. Ninguém parecia se importar. Uma velha pegou uma tábua de bifes, ele podia fazer o mesmo. Não, não, seus colegas iam te matar. Apesar que... existia uma possibilidade. Uma coisa que ele tinha certeza que se arrependeria. Uma coisa que ele jurou nunca mais fazer. Uma coisa que abriria a porta para mil possibilidades onde nenhuma terminaria com ele feliz. Mas era ou isso ou mostrar pra sociedade que ele, filho de gaúchos, crescido ao lado de vacas e facões, herdeiro de toda uma rede de churrascarias do sul do país, não entedia de carnes. Era a única opção:
"Alô?"
"Ana Cláudia?"
"Eu não acredito que você está me ligando depois desse tempo todo."
"Pois é, eu tive que me afastar, né?"
"Você não sabe o que eu tive que enfrentar... meus pais mal olhavam na minha cara."
"Calma, Ana Cláudia. Preciso da sua ajuda."
"Minha ajuda? Que cara-de-pau. Some por mais de seis meses e me liga pedindo ajuda?"
"Desculpa, Ana Cláudia. É que... sabe o Carlinhos? Ele estava dando um churrasco aí precisavam de alguém para comprar a carne e todo mundo começou a brigar e eu meio que me ofereci..."
"Você é um filho da puta."
"Espera, Ana Cláudia."
"Você é um filho da puta, desalmado. Eu espero que sua alma apodreça no inferno e que você seja estuprado pelo capeta."
"Ana, você tá sendo irracional."
"Calaboca. Não me ligue nunca mais. Só quero ouvir seu nome novamente quando me convidarem para o enterro."
"Ana Cláudia! Eu... eu..."
E ela desligou o telefone. Acho que oito quilos de linguiça dá. Ele comprou o resto de cerveja e voltou para o churrasco.

2 comentários:

  1. O Luis Fernando Veríssimo tem um conto muito parecido, mas o cara enrola a guria com romantismo barato até ela contar o ingrediente secreto de um bobó de camarão, informação que tem como respostar um "valeu, agora vou cozinhar pra minha nova amante"

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    1. Pô, que legal. As vezes eu até já li e tava com essa história no meu subconsciente. Vou dar uma pesquisada nos meus livros aqui. =]

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