sábado, 26 de maio de 2012

Fuga Nº2

Se percebeu correndo no meio de um campo de batalha. Seu pé afundava na lama e sua roupa era pesada. Carregava uma espingarda numa mão e um cantil na outra, a mochila dificultava a corrida. O barulho de explosões era alto demais e não sabia se corria para não ser atingido ou se para alcançar algum objetivo. Tinha outros com as mesmas vestes e correndo na mesma direção. De repente uma dor muito grande, foi atingido na perna. Seu corpo rodopiou no ar antes de cair em cima do que sobrara de um arbusto. Dois companheiros começaram o atendimento rapidamente enquanto os outros continuavam correndo. Eles falavam uma língua que não entendia, mas soava como alemão. Sentia sua coxa pulsando e a cada pulsação, o sangue saia em maior número. Olhou em volta e viu aviões, gente correndo, explosões. Antes de tudo isso, aqui deveria ser um lugar muito bonito. Fechou os olhos e tentou abstrair daquilo tudo. Sentia a mão batendo em sua cara, mas estava calmo demais para abrir os olhos.

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Se percebeu sentado em um banco de praça, seu coração batendo forte. Uma moça muito bonita ria, sentada do seu lado. A mão dela repousava quase que inocentemente em sua coxa. "Você é muito misterioso, sabia? Nunca consigo dizer o que você está pensando", ele não soube o que dizer. Não estava muito clara pra ele quem era aquela mulher, mas eles pareciam bem próximos. Um cachorrinho foi até ele e ficou brincando com seu cadarço. Se distraiu um pouco quando uma senhora idosa veio pedindo desculpas toda desengonçada pegando o cachorrinho de volta. Ele apalpou o bolso e encontrou uma caixinha. Entrelaçou seus dedos no da moça do seu lado, respirou fundo e falou: "Vamos nos casar?". O olho dela encheu de lágrimas, ele entregou a caixinha pra ela, que ela abriu mas nem deu atenção, distraída entre água e beijos.

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Se percebeu numa lanchonete dessas que se vê em filme. A garçonete, uma loira alta que parecia trabalhar lá há mais tempo do que deveria, trouxe panquecas e um café com chantily em cima. Do lado de seu chapéu e óculos, o jornal do dia noticiava a venda de mais uma empresa para o estrangeiro. Brincou um pouco com o chantily, fazendo desenhos no café, mas era ruim demais naquilo. Um homem sentou na cadeira em sua frente, colocou sua carteira em sua mesa: "Desculpa pelo atraso". Ele não tinha certeza há quanto tempo estava ali, então não se importava muito com o atraso. "Minha vida tá uma loucura mas eu cumpri minha parte no acordo", o homem disse enquanto pegava o jornal. "Hoje em dia estão matando por qualquer coisa, todo mundo conhece alguém que conhece alguém". Ele não conhecia ninguém. "Você não vai falar nada? Sabe o que eu passei pra chegar até aqui? Chegar aqui pra ver você ficar encarando essas panquecas? Tinham me avisado que você era cínico, mas eu nunca achei que seria a esse ponto". O homem parecia muito irritado.

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Se percebeu vendo tv. Era uma sala quase vazia, tinha um sofá, uma estante com a tv e uns livros velhos no canto. Era um desses programas que passa domingo, um dia despretencioso. Um cinzeiro cheio e várias garrafas vazias indicavam que tinha alguns dias que ele não saia dali. Sua barba estava grande e ele sentia um cheiro esquisito, que logo em seguida percebeu que vinha dele mesmo. Ele sentiu vontade de chorar, respirou fundo e segurou. "De que me adianta chorar, ninguém nem lembra que eu existo mesmo". Pegou um celular jogado no chão, nenhuma mensagem, nenhuma ligação. Não conseguiu e uma lágrima escorreu da sua cara, mas foi logo disfarçada com a manga do pijama. Sentiu que ia vomitar, correu para o banheiro e foi só o tempo de se apoiar na privada. E ali mesmo, sentado no chão, abraçado a privada, ele chorou. Não sabia se chorava pelo vazio que sentia por dentro ou por alguma outra coisa. Ninguém estava ali pra ver a ceninha, ninguém se importava e quanto mais pensava nisso, mais o choro aumentava. Seu diafragma já doía, seu rosto inchado e vermelho.

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Se percebeu em cima de uma oriental, o suor pingava do seu rosto e escorria nos seios dela molhando a cama por fim. Ele continuava o movimento enquanto ela gemia baixo, sabendo que só interessava a ele mesmo ouvir. Ele mordia seu pescoço enquanto a mão direita levemente arranhava  as costas dela, ela respondia bem, parecia estar gostando. Ele entrava e saia dela no ritmo da música que tocava em sua cabeça. Ela arqueou as costas e por alguns segundos eles se entreolharam, a respiração pesada e quente dos dois se encontrava no meio. Um podia sentir o coração do outro batendo enquanto o suor dele ajudava seus corpos a deslizarem. O coração dele estava rápido demais, assim como sua cintura. Ela pediu um pouco mais de calma. Ele parou, deitou entre os peitos dela e aproveitou alguns segundos pra respirar. Ele estava ofegante e suado, ela o deitou e assumiu o controle. Por cima e dona da situação, ela controlava todo o movimento, apoiada com os braços esticados no seu peito. O ângulo em que a via o dava mais tesão ainda.

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Se percebeu deitado, criança, dentro de um cobertor. Sentia medo de alguma coisa do lado de fora da casa mas tinha toda uma confiança infantil de que debaixo daquele cobertor ele era intocável. Se sentia adulto e responsável, mas não gostava de quando seus pais demoravam pra voltar e a chuva não estava ajudando. Tinha medo de que alguma coisa acontecesse, não saberia o que fazer caso eles não voltassem. Ele não sabia trabalhar ainda pra sustentar a casa e não tinha certeza se ele teria que morar com a vó, que não gostava muito dele, ou com a babá. Preferia a babá, com certeza, mas não entendia direito como funcionavam as leis. Ele rezava pedindo pra que nada acontecesse, rezava porque via seus pais rezando, mas se sentia meio bobo. Um menino da escola falava sozinho e todo mundo caçoava dele, ele não queria ser caçoado também. As vezes tinha medo de que ouvissem seus pensamentos, como a vez que pediu pra Deus pra que matasse sua mãe por ter brigado com ele. Não era o que ele queria agora, muito pelo contrário, era o que ele menos queria. Ouviu de longe o carro estacionando e foi com cobertor e tudo recepcionar seus pais na porta. "Ô, meu deus. Não acredito que você tá acordado ainda", ela falou com tom de dó, ele abraçou ela fortemente que o carregou no colo até a cama. Deu um beijo de boa noite e acendeu a luz da sala para que seu quarto não ficasse tão escuro. Ele podia dormir agora, estava tudo bem.

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