terça-feira, 17 de dezembro de 2019

O presente.

Ele tinha comprado um presente mas há anos não acertava. Lembrava que antigamente era o mestre nos presentes criativos e surpreendentes, depois de uma série de erros e menosprezos, presentear virou um bloqueio criativo. Assim, cada ida ao shopping ou um passeio nas lojas virtuais próximo a datas comemorativas, virava um pesadelo e uma crise de ansiedade. Nessa indecisão e insegurança, muitas vezes quando achava algo já era tarde demais, não seria entregue a tempo ou custava muito mais do que o orçamento permitia. Mas desse vez ele iria acertar, sem dúvida. Viu um colar com uma pedra roxa muito viva, parecido com outros colares que ela já usava e da mesma cor de muitos dos seus vestidos. Aproveitou a promoção de Natal e comprou na hora. Colocou no bolso da frente da calça para não perder e checava de tempos em tempos se o volume continuava ali. A viagem no metrô rumo a casa dela durava mais do que nunca, e o vagão lotado começava a esquentar de calor. A cada esbarrão de um trabalhador, ele checava novamente o embrulho no bolso. Tudo continuava na sua tranquilidade. Ele desceu uma estação antes de onde costumava descer, disposto a comprar o sorvete preferido dela numa padaria que ficava no caminho, iria andar alguns quarteirões a mais mas com certeza seria recompensado com a reação que ela teria ao receber tudo. Andando em direção a padaria, ele pensou o quanto ele se sentia bem com aquilo tudo, o quanto fazer alguém feliz o deixava feliz, mesmo que nos pequenos gestos. O dia começava a escurecer, o que o fez lembrar que não tinha avisado que estava indo. Tirou o celular do bolso e começou a digitar uma mensagem para avisar sua localização. Entrou na padaria, conferiu o horário e sentou, esperando a resposta de sua última mensagem. Com um emoji de coração e um gif animado, ela respondeu que estava a sua espera. Na padaria mesmo cogitou se levava um vinho para acompanhá-los durante a noite mas, em plena terça-feira onde ela trabalharia cedo no dia seguinte, chegou a conclusão de que o sorvete seria suficiente. Pegou o sorvete mais atrás na geladeira, uma técnica que aprendeu com o amigo que dizia que era lá que guardavam os sorvetes mais novos e mais gelados, e foi até o caixa pagar. Como tinha uns trocados, resolveu aproveitar o espírito de Natal para doar umas moedinhas pra caixinha de funcionários e continuou seu caminho rumo a casa dela. Com o celular na mão, colocou uma música para embalar seu percurso e andou como se num clipe musical. Foi em frente ao prédio de 15 andares onde ela morava desde os 16 que ele apertou o 802 para anunciar sua chegada. O portão abriu sem falar nada e ele bateu a mão no bolso uma última vez para conferir o presente que não estava mais lá.

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