quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

A árvore.

Desde que ela se mudou da cidade que morava, era a primeira vez que não ia conseguir passar o Natal por lá. O emprego estava uma bagunça, ela não andava bem, tinha faltado uns dias onde simplesmente não conseguia se levantar da cama e, foi informada um pouco em cima da hora de que ia precisar trabalhar na véspera de Natal. Essa época sempre foi muito delicada para ela. Mesmo antes de se mudar, era um momento muito emotivo, quase uma trégua de sua família que vivia brigando e um esforço conjunto para manter uma imagem de união ao menos para as crianças mais novas. Não tinham muito dinheiro, e a cidadezinha não oferecia grandes opções de presente, mas sempre faziam questão de comprar uma lembrancinha ou outro para todos. As crianças ganhavam os melhores presentes, os jovens ganhavam livros e cadernos e os adultos dividiam uma garrafa de vinho e se lembravam de histórias antigas. O Natal era a trégua das brigas. Quando ela ficou adulta, a realidade começou a bater pesado. Primeiro veio a transição dos presentes, depois a entender a dinâmica da própria família. Muito mais voltada na hipocrisia e no respeito à matriarca da família do que realmente um momento de paz. Mas ainda assim, foi com o que ela foi criada e se ver tirada dessa tradição familiar foi dolorido e inesperado. Foi na confusão das últimas semanas que ela levou sem querer para casa um enfeite de Natal que o RH da empresa tinha colocado próximo à sua mesa. Chegou em casa e se deparou com aquela estrela dourada jogada na mesa. Sem pensar muito, colocou pendurada no fecho da janela e ficou olhando a luz de fora refletindo no papel dourado. No outro dia, saindo do restaurante onde almoçava todos os dias, entrou em um mercadinho que sempre parava para comprar um chocolate. Já no caixa, viu ao lado uma caixinha amassada com luzes quebradas de Natal. Observar aquela caixa foi como se ver no espelho, um objeto abandonado e despido de espírito natalino. Perguntou para o atendente quanto custava que, quase como um pequeno ato rebelde contra o capitalismo, deu de ombros e colocou a caixa junto na sacola do chocolate. Ela passou a tarde toda pensando nisso. Chegou em casa, jogou sua mochila no sofá e foi direto para a janela instalar as luzes meio falhas. Organizou-as no formato de uma árvore e realocou a estrela dourada no topo. A manhã seguinte no trabalho foi agitada: procurando referências no Pinterest, ela achou uma neozelandesa que usou pequenas fotos para decorar a própria árvore em vez de bolinhas coloridas. Aproveitando a ausência de sua gerente, ela escolheu fotos suas, dos seus antigos amigos, do seu cachorrinho que ainda estava na casa de seus pais, dos personagens de um filme que ela gostava, e imprimiu pequenas versões que foram mais tarde cuidadosamente coladas com durex em sua janela, onde uma árvore improvisada brilhava. Satisfeita com sua obra de arte, ela encarou por olhas tentando julgar o que faltava, enquanto tocava uma playlist de Natal em seu Spotify. Presentes! Era isso que faltava. Mas ela não tinha para quem dar esses presentes, muito menos dinheiro para presentear qualquer um. Os poucos amigos que ela mantinha na cidade não pareciam próximos o suficiente para ser presenteados, mas tinha alguém que ela conhecia muito e sem dúvida ia amar tudo que ela escolhesse: ela mesma! No sábado seguinte, ela acordou cedo, separou o dinheiro que ela usaria nas passagens de ônibus que não seriam mais usadas e foi para o shopping na intenção de comprar o máximo de coisas possíveis. Comprou um livro que queria ler há tempos, comprou pulseiras coloridas, comprou uma caneca comemorativa de Natal e, por fim, comprou o vinho com a garrafa mais bonita até 30 reais que ela achou. Tudo devidamente embrulhado e com uma etiquetinha "de:/para:". Os próximos dias no trabalho passaram voando, ela fazia sua função da maneira mais eficiente possível para usar o resto do tempo para planejar sua festa de Natal. E foi assim que sua casa ganhou plantas novas para fazerem companhia, um Papai Noel de pelúcia pendurado na árvore, uma assadeira nova e um pernil ocupando 80% da sua geladeira. Dia 24 de dezembro, 18h00, ela saiu correndo do trabalho para casa. Colocou o forno para esquentar e foi tomar banho. Se arrumou toda, cada detalhe do vestido à maquiagem. Preparou a mesa para a ceia, iluminadas apenas com velinhas vermelhas e a luz da árvore improvisada na janela. Abriu seu vinho e serviu na sua caneca nova. Tirou o pernil do forno, percebendo que ainda estava cru. Sem hesitar, serviu-se do resto de comida de outro dia na geladeira, colocou no microondas e sentou em seu sofá com a taça de vinho na mão, observando sua obra de arte na janela. Aumentou o volume da sua playlist e não desejou estar em nenhum outro lugar do mundo.

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