sábado, 21 de novembro de 2020

Explosão.

A explosão instaura o silêncio
Lá fora, nem um pio se ouve
"O que houve?" todos pensam

Tonto levanto do canto escuro
No susto nem vi a queda chegar
Duro encaro os caídos muros

Espera a ajuda mas não vem
Pega tudo que puder salvar
Deixa pra trás o que não faz bem

Lembra quando éramos felizes
Narizes juntos na noite fria
Apoio mútuo em tempos de crise

Hoje vago sozinho pela cidade
Ou o que restou depois da explosão
Um segundo acaba com uma comunidade

Carrego comigo minhas lembranças
E a esperança de dias melhores
Se não por mim, pelas nossas crianças

Poesia.

Nosso amor era prosa poética
Com métrica e rima escondida em cada canto
Ainda por cima, nossa conversa era canto
Difícil explicar a dialética
Pra alguém que nunca amou tanto
A gente sincronizava nos detalhes
No entalhe da madeira da estante
E no instante de silêncio
que se tornava um vale imenso

Por isso que senti tanto quando foi embora
Fora a falta, quanto eu queria estar ali sem você

E meu verso ficou sem rima
Complexo e sem graça ainda por cima
Uma poesia fria, sem ritmo
Palavras vazias que um algoritmo organizou
Hoje meu texto falta
Sobra espaço, desejo vital
Não recebo alta nem ponto final

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Abrigo.

Não precisa bater
A porta está aberta
Não tem hora certa
Pra você chegar

Não repara a bagunça
É que eu tô mudando
Até o final do ano
Não sei onde eu vou estar

Mas fique a vontade
Pode tirar o sapato
Você já conhece meu gato
E onde eu gosto de sentar

Aceita um café?
Eu tô sem açúcar
Fumando bituca
Pra economizar

Mas cabe mais um
Não tem muito luxo
Mas só mais um bucho
Não vai estorvar

Vou deitar um pouco
Minha cabeça doída
Minha vida falida
Quero descansar

Mas não vai embora
Vem deitar comigo
Me faz de abrigo
Até acordar

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Sozinho.

A gente não tá sozinho
Sei que parece às vezes
Quando a gente olha em volta
E não vê ninguém
Mas eu prometo
Você também não está sozinho

A gente anda tentando se esconder do frio
Chora de noite no colchão vazio
A gente luta como quem não tem chance
E tenta se manter em pé só mais um instante
Mesmo nessa hora, quando seu olho perde o brilho
Eu prometo, você não está sozinho

A gente guarda muita coisa pra si
Se joga morrendo de medo de cair
Ultrapassa limites que nunca pensou
E chega em lugares que nunca chegou

Mas me algum lugar, de verdade,
Tem alguém que sente saudade
Que torce pra que tudo corra bem
Que lembra de você quando diz amém
Tem alguém, sempre tem alguém
Esperando por você no final do trilho
Porque a gente até sente mas nunca está realmente sozinho.

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Mágico.

O tempo nos engana como mágico fajuto em um cabaré
Cujo único objetivo é nos distrair da decadência do lugar
Quando você reflete se pergunta como lá se mantém em pé
Mesmo com suas paredes prestes a desmoronar
O tempo nos distrai em pequenas tarefas
Com um dia excitante uma vez ou outra
O encaixe perfeito perdido em outras peças
Num quebra cabeças escondido no guarda roupa
Quando a gente olha, não vê a magia acontecer
Atentos que estamos na mão do artista
As cartas mudam sem a gente ver
O truque acontece bem à nossa vista
O segredo então é olhar pro lado
Notar os detalhes e sua assistente
Ou talvez só ficar parado
E aproveitar o espetáculo de forma inocente

domingo, 15 de novembro de 2020

Constantes.

Me entreguei ao mar depois de desistir de tudo e fiquei lá pelo que pareceu horas na água fria. O movimento ia e vinha levando meu corpo sem resistência na esperança de que me tirasse minhas preocupações, medos e inseguranças. Sozinho, consigo viver os momentos de forma mais pura, mas sozinho também não consigo chegar nesses momentos. Um dilema que me persegue há mais tempo do que eu gostaria. E mais uma vez eu me vejo tendo que tomar frente e correr atrás do que eu preciso sozinho. Existe um limite de tempo que a gente pode esperar por uma mão amiga principalmente quando não há amigos em volta. O que eu tenho são minhas constantes: eu, a lua e, quem sabe agora, o mar. São as coisas que eu sei que sempre vou encontrar.

sábado, 14 de novembro de 2020

Asfixia.

O silêncio no meio da multidão
Ecoa em meus ouvidos
Como se vivesse em outra dimensão
Alheia aos ali reunidos
A conversa animada continua
Minha mente se percebe nua
Em um eterno sonho escolar
Que continua depois de acordar
Conexões não beiram as tentativas
E a voz se perde entre outros barulhos
Busco toque para me sentir viva
Como uma criança ansiosa abre um embrulho
Mas a mão erra por pouco
Os dedos se perdem em outros afazeres
Os prazeres mundanos causam sufoco
Sem ar suficiente para dividir com outros seres

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Cada dia.

Saí de casa em busca de afeto
Fugindo de um teto que não me cobria mais
De dia o sol me deixava deserto
De noite o frio não me deixava em paz
Voltei sozinho no primeiro dia
No segundo de novo não me acompanhei
Seguinte comi o que não me nutria
No quarto menti pois apenas chorei
E tudo se repetiu mais que gostaria
Vivi um pesadelo que não superei
Sozinho dormia e raiava o dia
Com as mãos vazias do que não segurei

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Presente.

Em cada ponto de cisão do universo
Existem versos que nunca foram escritos
Descritos opostos do real ocorrido
Que seguem pra sempre rumo ao infinito
Quem sou de lá para mim não importa 
As portas que nunca se abriram
Um quadro pintado de natureza morta
Beleza escondida que nunca descobriram
E sofro pelos nãos que me impediram
E pelos sim que me levaram pro caminho errado
Sozinho encaro realidades que sumiram
Em pontos divergentes do meu antigo passado
Do que me vale encarar um vale distante
Se no instante que penso ele simplesmente se vai
Minha mente se perde entre o depois e o antes
O presente guardado se quebra quando cai

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Praça.

Não que eu não goste de ser praça
Mas queria, só uma vez, ser casa
Me divirto com as crianças
E os cachorrinhos pulando em mim
Mas queria ser descanso
Companhia segura em dias de chuva
Queria te receber depois do trabalho
Cansado jogando a bolsa no chão
Não ser tão passageiro
Visita de domingo de manhã
Aqui as pessoas se reúnem
Se divertem e também se amam
Mas quando chega a hora
Vão embora e me deixam aqui
Então queria, só uma vez, ser casa
Não que eu não goste de ser praça
Pra não estar sozinho na hora de dormir

terça-feira, 10 de novembro de 2020

Notável.

Em um relacionamento,
existem apenas dois "eu te amo"
dignos de nota:
o primeiro
e o último.

Love craft.



Querido diário, venho aqui tentar transcrever em palavras algo que me falta ainda compreensão. Algo que só tinha lido nos livros antigos e em histórias tradicionais. Algo que, quando jovem, ri da mera menção a sua existência e hoje, vendo a realidade de forma mais turva e perdendo um pouco de minha
própria sanidade, preciso lidar com os fatos os quais tão imaturamente tive que encarar. Tudo começou quando em último dezembro percorria os velhos diários de meu tio para enfrentar o tédio sufocante de outro verão no interior. Nas velhas páginas rabiscadas, de um tempo onde papel e caneta ainda cumpriam sua função primitiva de guardar segredos, encontrei um singelo recado que me chamou atenção: um pequeno papel rasgado, oriundo de um saco de pão, com uma sequência numérica intrigante e um nome feminino ao lado. Comecei a buscar em outros trechos qualquer referência ao nome "Sara", mas obtive pouco sucesso. Os números desafiavam qualquer sequência conhecida pelo homem e mesmo minha incessante busca pelos anais dos buscadores digitais se demonstrou infrutífera enquanto minha mente se tomava por uma obstinada obsessão pelos códigos em minha frente. Minhas noites eram tomadas por pensamentos errantes que me impediam de focar em outra coisa, meus dias ocupados pela busca de uma explicação. Quanto mais dias se passavam, mais distante eu me via de uma resposta. O falecimento prematuro de meu tio, o qual pouco conheci além das velhas fotos espalhadas por sua casa de campo, os empoeirados discos no armário e o diário com pequenas anotações cotidianas de seus tempos na cidade, me deixavam poucas opções além de uma abordagem mais direta dessa questão. Levei as poucas evidências que tinha em mãos e fui até a irmã de minha progenitora na vã esperança de ela abrir meus olhos para novas direções, mas fui agressivamente dispensado e caçoado pela minha obsessão infantil com aquelas informações. Dias se passaram, semanas, talvez anos, minha mente já não registrava mais o conceito de tempo linear da mesma maneira. Tudo parecia distorcido em minha própria realidade. Quanto mais encarava aquele recorte, mais confuso ficava. Talvez não fosse realmente um nome feminino, poderia ser um verbo, um adjetivo, uma sigla, a infinidade da língua e das possibilidades não-linguísticas me colocavam em uma nova espiral. O vazio dentro de mim ecoava a ausência de informação e, ao mesmo tempo, permitia que um apego inexplicável crescesse dentro de mim referente aquele mísero pedaço de papel. O números se embaralham ao olhar em busca de qualquer sentido e relação entre eles, combinações de cofres secretos em escotilhas sobre a cama, analogias a letras e outros símbolos criptografados. Minha incessante busca por um significado só tornava aquele processo, e meu tio consequentemente, ainda mais interessante e misterioso. As palavras em seu diário extrapolavam sua denotação, todo registro de compra, apostas em jogo, cada ação relatada naquelas velhas páginas escondiam em si a resolução do mistério que dominava meu pensamento. O fim de meu recesso de verão se aproximava e com ele findava também as minhas esperanças de encontrar respostas satisfatórias às minhas obsessões. Tendo checado todas as canções em sua velha vitrola, todos os livros em sua vasta biblioteca, prostrado em meus aposentos encarando a arquitetura em minha frente, tenho então um sinal que a única explicação é a verdadeira vontade cósmica dos deuses antigos de saciar essa jovem mente com um conhecimento além da verdade. O sinal sonoro que se perdeu além dos tempos, uma verdade tão pura e verdadeira, que nem o mais sapiente dos gurus poderia imaginar: um pequeno dispositivo mecânico utilizado por nossos ancestrais dava seu ressoar sonoro e me mostrava o que eu me neguei a ver durante toda minha jornada. Corro na direção de tal dispositivo como a feroz águia em direção a sua ignorante presa. Ao alcançá-lo, hesito, pois sei que a verdade está a um breve momento de se revelar a minha frente. Com minhas pequenas mãos trêmulas, giro o disco com os algarismos marcados no singelo papel. Um toque. O segundo. Sinto o suor frio escorrer sobre meu rosto enquanto meu peito palpita incessantemente, a qualquer momento... Ouço do outro lado uma voz suave, porém vivida, me saudando. Minha voz, prejudicada pela distância que me separa da puberdade, tenta parecer madura enquanto requisito que passem o telefone para ela... Sara. A doce senhora ao outro lado do telefone se identifica e ouve pacientemente meu relato. Minha pouca idade a delicia e vejo que tenho em minha frente aquilo que tanto esperava. Sara não se prende em contar como conhecera meu tio, Milton, em uma festividade na cidade, muitos anos atrás. Seu jeito galante e o nariz marcado por uma desavença anterior o faziam um sujeito cobiçado entre as outras jovens da região, mas foi por Sara que ele se apaixonou. Era comum ver Milton com buquê de flores pela cidade, encomendando discos estrangeiros para presenteá-la e até trazendo costureiras de fora para a produção de vestidos sob medida a cada evento e gala. Ele não só dava presentes, mas era presente e carinhoso, fato que o tornava o pretendente ideal aos olhos dos pais de Sara. E por dois anos, Sara viveu intensamente aquela relação, fazendo planos de matrimônio e filhos assim que pudessem sustentar seu próprio lar. Infelizmente, o Destino é um ser mais antigo que os deuses, e suas decisões pouco levam em conta a nossa vontade. Em um descuido durante sua volta pra casa, Milton perdeu o controle de seu automóvel e se envolveu em um horrível acidente. A cidade estava de luto, mas irremediável estava Sara, cujo futuro feliz ao lado de seu amor também tinha nos deixado no acidente. Os anos se passaram e a dor diminuiu. Milton se transformou em apenas uma feliz lembrança de um passado e um futuro que já não existia mais. Sara, então me revelou com sua voz embargada, que o recorte que encontrei havia sido escrito por ela, a primeira vez que Milton a abordara. Era seu telefone para que eles pudessem se contactar em uma realidade pré-internet. Agradeci, também emocionado, não só pelas respostas que tanto procurei mas também por compartilhar esse relato de um amor que sobreviveu a maior das fatalidades. Um acontecimento maior que o passar do tempo e que o entendimento humano. Um amor que para mim só existia nos velhos livros de um árabe louco e que agora estava diante de mim. Escrevo essas palavras em meu caminho de volta para minha cidade, onde nas próximas semanas retornarei a minhas atividades escolares. Divido com você esse relato pois sei que meus companheiros de estudos pouco levarão a sério a grandeza de tal descoberta. Eu, mais próximo dos meus treze anos, enfim posso afirmar que presencial algo maior do que a própria existência humana. Algo que meu cérebro ainda tem dificuldades de entender. Volto para minha vida como um novo homem, ainda com dificuldades de lidar com um sentimento de tal grandeza como o amor.

" Love Craft" (ou "Um amor além da compreensão")

domingo, 8 de novembro de 2020

Cochilo.

Os seus juramentos vazios
Que ficaram desde que você sumiu
Tudo aquilo que você não cumpriu
Quando foi a última vez que você dormiu?

A sala dela está cheia de amigos
O diálogo parece divertido
A blusa a esquenta do frio
Hoje ela tem um sono tranquilo

Não tem mais medo de sair sozinha
Ou ir de madrugada na cozinha
Ela compra as coisas que ela queria
Hoje ela pode dormir tranquila

Sua ausência não é mais sentida
Essa falta já foi preenchido
E pra quem duvidou que ela conseguia
Hoje ela pode dorme tranquila

E você, está em cima do trilho
O dedo tremendo no gatilho
O cérebro não cede ao cochilo
Mas sobre ela? Ela está bem
Hoje você pode dormir tranquilo

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

A imensa lista de coisas.

Sabe do que eu mais sinto falta?
Não são as coisas que a gente viveu
Mas da imensa lista de coisas que não deu tempo de acontecer
Das tardes de piquenique
Do vinho derramado na cama
Enquanto a gente ria de uma comédia boba
Daquela vez que você tentou concertar minha camiseta preferida
E acabou estragando ela de vez
Eu sinto falta daquela vez que eu, sem graça por conhecer seus pais,
Acabei trocando o açúcar pelo sal
E o jantar foi um desastre
E aquela outra vez que, no cinema, pediram pra gente ir embora do tanto que a gente conversava sem parar
Você lembra? De cada presente que eu comprei
E que era quase perfeito, tirando um detalhe que fazia dele inviável
Tipo o número do sapato ou o livro em alemão
Das vezes que eu, frustrado com o trabalho,
Só enterrava meu rosto no seu colo
Enquanto você assistia uma comédia boba
E os restaurantes bons, mais do que isso, dos restaurantes ruins
De todas as furadas e das brigas também
Mas de como a gente fazia as pazes antes de dormir
Pra acordar bem um com o outro
Eu sinto falta do resto da nossa vida
De cada segundo que nos tiraram
E de cada coisa que nunca
Nem vai acontecer

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Luzes fortes.

Tentei te ligar
Sozinho eu cansei de estar
Só você pode me acompanhar, talvez
Larguei mão de tudo
Você nem precisa se esforçar
Só seu toque já me faz pirar, baby

Eu olho em volta e
A cidade está vazia
Dancei e ninguém me via
Não penso direito sem você

E eu: "Essa luz me cegou,
não vou dormir sem ter você aqui"
E eu: "A noite me pegou.
Você me salva quando eu estou assim"

Meu tempo acabou
Lá fora o sol já raiou
Só meu carro me acompanhou, baby

Eu só retornei pra avisar
Não quero falar no celular
Eu nunca vou deixar você

Inpirado em "Blinding lights" do The Weeknd.

Toque.

Meus dedos sentem sua pele quente
Enquanto deslisam no seu colo nu
Em uma cama pequena demais pra gente
Meus dentes cravam no seu pescoço cru
Deixo marca sem vergonha do que vão dizer
A fronha abafa o que não podem ouvir
Sussuro um segredo bem pertinho para você
Peço licença para entrar onde não quero mais sair
Aprendo movimentos rápidos e lentos no escuro
Juro que o momento parece ser eterno
O desejo vem de dentro em seu estado mais puro
Na coreografia sincronizada de um balé moderno
Deito no seu peito buscando respirar
Pira que queima de um novo jeito
Minha mente navega em um calmo mar
Sobre as ondas discretas do amor liquefeito

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Ninho.

Sinceramente? Eu não achei que estava pronto até te segurar nos braços. Foi quando eu tive certeza de que eu não estava, mas fui mesmo assim. E cada choro, cada passo, cada sorriso e cada abraço, você me dava mais certeza de que eu não estava pronto. Mas a gente se esforça, porque sua agenda não espera a minha e o dia passa e a gente nem vê. As noites sem dormir viram semanas, meses viram anos e quando segurei o choro pra te deixar pela primeira vez, você olhou pra mim e falou que estava tudo bem, que eu podia ir que já voltava. E então me acostumei com sua ausência, que começou pequena e foi crescendo, como se eu estivesse perdendo um pouco de mim toda vez que te deixava ir. Você conheceu outros, e assim sua atenção se dividia e eu sofria muito por dentro, a cada novo colega que aparecia. Depois vieram as mudanças, que te colocaram ainda mais longe do que eu queria. De repente, a gente não se entendia e você se trancava e me tratava como inimigo. Meu esforço de me fazer querido, entendido, era confundido com outra coisa que, com o tempo, só ficou pior. Eu tentava me fazer presente, mostrar que mesmo depois das brigas mais quentes, meu colo ainda estava aberto se quisesse chorar. E vez por outra eu via seus olhos vermelhos me evitando para evitar perguntas, sem saber que não tinha nada que eu queria saber além de como você estava. Assim se seguiu, você cada vez mais longe, eu cada vez mais velho. Você escolheu seu caminho, eu apoiei e fiquei sozinho, vendo você de longe ir atrás de tudo o que você sempre quis. E, foi de longe também, que você me ligou, me contando de tudo o que você passou, empolgado de estar ali. E foi ali que eu percebi, eu ainda não estava preparado, mas a gente nunca está. 

terça-feira, 3 de novembro de 2020

Pausa pra foto.

Pequenos momentos de alegria
Congelados para sempre em fotografia
Uma risada pega de surpresa
O prato organizado sobre a mesa
Você dorme tão bonito
Custava fazer um sorriso?
Vamos ali que o fundo combina
Junta todo mundo que tá na piscina
Hoje não que tô desarrumada
Posso te mandar uma mais ousada?
Vai lá com sua prima sem reclamar
Sobe ali em cima e finge que vai voar
Só mais uma que você piscou
Eu tava sentando quando o timer disparou
A gente deixa passar tanto coisa, sabe?
Ficamos com tanto medo de que acabe
Que juntamos fotos em gavetas esquecidas
Pastas digitais que guardamos a vida

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Culpa.

Eu esqueço mas não te desculpo
Porque a culpa pode ser um presente
O perdão nos faz imaturos
Mas só cresce mesmo quem se arrepende
Se nossos erros ficam no passado
O errado insiste em se repetir
Mas tente perguntar pro culpado
O que é tentar mas não se redimir
Não são palavras ou compensações
Não é recompensa financeira
A consequência de nossas ações
Podem nos marcar a vida inteira
Esteja preparado para receber um não
Quando pensar em pedir desculpas
Não por rancor ou obstinação
Mas porque dor passa mas cicatriz dura

domingo, 1 de novembro de 2020

Sinal.

 A gente podia combinar um sinal, sabe, tipo namorados que se olham de longe e sabem exatamente a hora de deixar uma festa? Vamos combinar. Um aceno, uma piscada, um arco íris no céu, qualquer coisa.Uma palavra de segurança, um post-it na geladeira. Mas deixa claro pra mim que acabou, pra eu jogar minhas esperanças no lixo e poder ir embora. Pra eu parar de tentar inutilmente, porque essa frustração está me matando e sei que não é o que você quer. Porque eu sei que você quer o melhor pra mim, mesmo nem raramente fazendo sua parte, e eu também quero. Mas se eu tô no caminho errado, se eu virei duas ruas antes há quilômetros atrás, me fala, porque nao é tarde demais pra eu pegar o próximo retorno e voltar pra estrada calma que eu tava. Você é cheio de mistérios, palavras certas, linhas tortas, etc. Mas comigo isso não funciona. Não quero indireta, sabe? Subtexto não é pra mim. Eu sou muito bom de fazer o que me pedem quando me explicam direitinho e, se eu tô errando tanto, dando soco em ponta de faca, batendo cabeça, o que que custa me falar que não é por aí? Eu apostei todas minhas fichas nisso aqui, mas a gente volta e consegue mais fichas pra apostar em outra coisa se precisar. Então, eu sigo esperando seu sinal. Até lá vou entender que o que me falta é esperar, que coisas boas acontecem pra quem vai atrás. Mas, sei lá, mesmo as melhores pessoas podem seguir o carro errado na rodovia. Se for esse o caso, me manda um sinal, qualquer um, mas deixa claro que é você, que acabou e que eu posso parar de tentar.


(Inspirado em "Jesus Christ" da banda Brand New)

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

O garoto que bloqueou.

Eu te perdoo porque eu sei as condições das suas escolhas. Eu sei que não é fácil enxergar quando nossa cabeça está confusa. Quantas vezes fui eu que julguei errado e acabei te machucando? E não foi um desses erros que lá na frente estragou tudo? Espero que você possa me perdoar um dia. Mas, assim como você, é difícil demais esquecer. Porque você muda de cidade, sai do meu caminho mas todo quadro meu ainda tem seu rosto. E por mais que você escute minhas reclamações/acusações/frustrações, não desfaz tudo o que aconteceu e não diminui o quanto doeu e o quanto me machucou. Minha pele é fina mas nem toda cicatriz deixa marca e, seu pedido de desculpas só me deixa ainda mais triste. Se você entende a dor que causou hoje, porque não tentou me entender naquela época? Enquanto, entre lágrimas e gritos, eu tentava me fazer ouvido? Eu apostaria em você sem hesitar mas, sinceramente, eu perdi todas as apostas até agora. Eu te perdôo, mas eu não posso esquecer. E, enquanto eu ainda sentir dor, você vai me sentir no cheiro da chuva e no sangue nas suas veias.

(Inspirado em "The boy who blocked his own shot" da banda Brand New)

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Possibilidades.

 Eu dedico essa música pra você

Porque ela me acalma
Como a textura da palma da sua mão
Como sentir sua respiração
Na minha nuca antes de dormir

No campo das possibilidades
Não vejo porquê não pensar
Nas danças, nas risadas
Nas crianças esperando na calçada
Você atrasada de novo pra buscá-las

Eu volto pra pegar sua bolsa
E trago qualquer coisa do mercado
Me diz, do que você precisa?
Me diz o que você quer
Só me diz, sem medo,
não guarda segredo
de mim, por favor

Me prendo nos pequenos atos
Amo relatos de um dia normal
Em como você ocupa o espaço
Como um interlúdio musical
E quando acaba sobra silêncio
Ecoa no mármore monumental
No vazio de um saguão imenso
Sentado sozinho no primeiro degrau

O acaso.

O acaso às vezes apronta uma, né. Voltando da escola, começando o segundo semestre, depois de meses de incerteza sobre aulas onlines e/ou presenciais, sem saber direito como as coisas seriam por agora. Na primeira aula de direção (de cinema, não de carro), o professor começa a indicar que provavelmente vamos usar o roteiro que eu escrevi no semestre anterior com a produção. Fiquei feliz do meu jeito, com todos os pés atrás até realmente as coisas acontecerem. Mas, no caminho de volta, bateu. Bateu demais o quanto as últimas semanas eu tenho ficado triste, preocupado com dinheiro, com minha cabeça. Bateu demais o quanto tem sido frustrante procurar emprego em um momento onde ninguém está contratando, mesmo os trabalhos que eu nem queria pegar. Bateu demais se sentir sozinho, longe dos meus amigos, da minha família, de todo mundo que eu amo, e não saber direito o que vai ser daqui pra frente. Hoje um dos professores me perguntou por quanto tempo eu consigo me manter ainda. Mais um mês? Dois? Não sei. E nisso me deu uma vontade de chorar gigante. E foi tentando ao máximo segurar pra não chorar muito na rua que fui andando até uma pracinha pequena no caminho, pra eu ficar sozinho um tempo e poder tirar isso de dentro de mim. Mas o acaso, né. Logo que eu sentei uma senhora bem velhinha chegou com seus cachorros e ficou conversando comigo, um dos cachorros parou do meu lado pra pedir carinho. Foi bom, me distraiu, tirou um pouco o peso do que eu tava carregando. Ela perguntou se eu era novo ali (me mudei tem uma semana), me contou do neto que voltou a estudar esse semana também e que tinha muito tempo que não fazia tanto frio, que era pra eu me agasalhar mais. Eu, mais calmo, agradeci a preocupação e a conversa e voltei pra casa sorrindo.

segunda-feira, 6 de julho de 2020

Casa.

Eu sou a casa fora de casa
De comida pronta e porta aberta
Onde a vida, tonta, te entrega
E onde o dia, longo, acaba
Afunda no sofá sem medo
Passa o dedo na cobertura
Esquece seu quarto aceso
Abre a embalagem dura
Dorme no meio do seriado
Acorda sem saber onde está
Gasta todo seu feriado
Parado, sem sair do lugar

De você só peço paz agora
Encher a água quando acabar
Levar o lixo para fora
E estar aqui quando eu voltar

segunda-feira, 29 de junho de 2020

Domo.

Veste teu pronome preferido
Marca a barra do vestido
Como quem escreve em árvore
Ou esculpe em mármore
O rosto de dois amantes

Deixa teu padrão em casa
Se permita ser um novo você
Sai na janela e expande sua asa
Alçando vôos sem brevê
Não importa o que veio antes

Quando você se torna o que se é
É mais fácil ver o que não somos
O sapato de cristal entra no pé
Você sai da proteção do domo
Pois se sentia pequeno mas está gigante

quinta-feira, 4 de junho de 2020

Você não é meu mundo.

Você não é meu mundo
A casa que eu moro
A cama que eu durmo
A lágrima que eu choro
Você não é o que eu visto
E o que eu falo pros outros
Prêmios que conquisto
Comida que eu como
Você também não é
A história que eu conto
A memória que volta
O rosto que desaponto
O momento de revolta

Você é o universo
O próprio tecido da realidade
O tempo além da idade
O poema além do verso
Você é a mecânica dos átomos 
O choque do elétrons
A realidade quântica
De que tanta gente tem medo
Você é o próprio toque
O impulso gerado
No olho, o desfoque
No tempo marcado

E eu sou só o ponto
Distante referencial
Do movimento constante
Sou ponto final.

domingo, 31 de maio de 2020

Eu não sirvo pra nada.

Tem dia que é mais pesado mesmo. Tem dia que as notícias são mais do que a gente consegue aguentar. Que eu engasgo quando minha vó pergunta se eu tô bem e eu só respiro fundo pra dizer que as coisas aqui estão mais tranquilas que lá, que o povo não tá doente, que a economia está voltando mesmo que eu ainda não tenha achado meu lugar. Mas o mundo tá doente em um nível esquisito. Onde a única resposta válida é realmente colocar fogo em prédio e lutar contra a polícia. Uma luta que eu não consigo lutar. Uma luta que mata só por existir. Lembro quando a Marielle foi assassinada, uma ou duas horas antes da minha terapia. Eu cheguei lá e não conseguia falar mais sobre meus problemas, meus traumas. Porque nada parecia relevante diante da realidade do mundo escroto que me foi escancarada. E isso tudo do alto do meu privilégio de homem, hétero, classe média e branco (nos padrões brasileiros pelo menos). É um tiro que atravessa e estoura a bolha que a gente vive, como outros deveriam fazer sempre. E ali eu percebi que eu não consigo suportar demais, eu preciso entender meus limites. Porque tem muita coisa que está fora do meu alcance e, por mais injusto que isso seja com quem morre, eu preciso continuar vivendo. "Não adianta sobreviver à pandemia se você ficar maluco", tem sido meu mantra e conselhos nos últimos meses, mas tem dia que não tem como. É difícil demais ter que explicar pra alguém que a gente precisa se importar com o outro. Empatia é uma parada que não se ensina, só se demonstra e torce pelo melhor. Eu só posso ajudar quem eu alcanço e, eu juro, que eu tento meu melhor para ajudar o quanto eu posso. Mas hoje é um daqueles dias que eu preciso aceitar que eu não consigo. Que eu não posso acompanhar notícias, não posso me preocupar, porque me destrói. E se eu não me manter são, eu não consigo me ajudar nem ajudar os outros e daí eu não sirvo pra nada.

domingo, 24 de maio de 2020

Combinação.

Se a gente combina tanto desse jeito
Por que a gente não combina de se ver?
Pega o avião que eu vou no primeiro trem
E a gente se encontra no meio

Meio que de improviso, seguro o riso pra não dar na cara
Que por você eu atravessaria a pé o deserto do Saara
O que é um oceano do tamanho do mundo
Pra quem, em um segundo, faz tudo valer a pena?

Pena de quem nunca se sentiu assim.
Pra mim, eu espero o que for preciso
Me diz o que você quer que eu também te digo
Se a gente combina tanto, meu bem,
Por que voce não está comigo?

sábado, 16 de maio de 2020

Círculos.

Que mundo louco para se acordar. 
Até outro dia meu mundo era outro.
Um mundo de pé no chão e portas abertas
Onde o único desconforto era estar parado.
Mas aí eu tentei voar e acabei em uma gaiola.
Pobre passarinho, mal pode ir na janela.

Logo ele se acostuma com suas migalhas.
O tempo passa em círculo 
e é difícil concentrar quando não se está em casa.
Porque nem dentro de casa as coisas parecem seguras

Tento cozinhar para me manter ativo.
Sei o que fazer pra me manter vivo.
Minha cabeça se perde, focada, no processo:
Comer, dormir, quando der, tomar sol.
Repetir de novo e de novo.
Até onde eu consigo?

A gente se conecta como pode
Mas sabe que, lá atrás, a gente já se desconectou.

Nada me tira da cabeça a hora errada de tudo
Péssima hora para o fim do mundo
Quando não tem uma mão ao seu alcance para segurar
São muros invisíveis que me proíbem de sair.
De voltar, nem sei.

Me faltam palavras, mas me sobra tela em branco
Que em vez de inspirarem, cria mais vazio.

Então eu fujo pra onde posso.
Um mundo de fantasia ou uma história que me acolha.
Me alimento de esperança mas me lembra que a essa hora
eram minhas histórias que deveriam estar sendo contadas
Quantos romances, quantas aventuras,
Quantas comédias e dramas esses tempos me privaram?
Mas minhas batalhas são diárias
E continuar já é uma vitória.

Quando durmo, não sonho com um amanhã melhor,
apenas espero mais um amanhã.
Os dias passam mas o futuro não chega.
Quem sabe quando tudo isso passar.
Quem sabe quando tudo isso vai passar?

quarta-feira, 22 de abril de 2020

Ajuda.

Vejo sua mão esticada oferecendo ajuda
Mas quando tento alcancá-la sua feição muda
O sorriso se fecha
Seu olhar se perde
Meu corpo cede e se deixa ir

Levado pelo mar pra cada vez mais longe
Sem forças pra nadar e sem saber pra onde
Você virá um borrão
Um detalhe, uma lembrança
Uma dança que eu não soube

À deriva, novamente, mar por todos os lados
A água fria e o sol quente, em equilíbrio forçado
Quanto tempo eu tenho
Pra lembrar da gente
Até eu me perder completamente

Na escuridão, meu corpo desliga
Um brinquedo que acabou a pilha
E afunda pesado no oceano
Se perguntando
Se era mesmo esse o plano

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Muros.

As paredes não me dão mais senso
Se perderam entre o momento e o começo
Faz tanto tempo que não saio de mim
Que duvido que eu deixe de ser assim
Repito os padrões agora em jaula
As mesmas lições nas mesmas aulas
A mesma comida servida sozinha
As mesmas louças se acumulam na pia
Tento ao menos me sentir produtivo
Basear quem eu sou em um flash criativo
Conto para os outros como se fosse vantagem
Tentando me convencer que não perdi a viagem

Mas sem passagem de volta, 
Sem lugar pra voltar
Sem ânimo de revolta
Sem causa pra lutar

Quem eu sou quando estou preso
E quando me tiram o futuro?
Quem eu sou quando o presente
Me prende dentro de um muros?

quarta-feira, 1 de abril de 2020

Caleidoscópio 5.

No corredor escuro vejo a luz no fundo
Um mundo de cores se refrata então
Espelhos sobrepostos sobre rostos felizes
Disfarçando por dentro sua escuridão
O corpo se move em outra direção
Contra a luz e contra-indicação
Qual o remédio em tempos sozinhos?
Sombrio é o futuro de quem não segura a mão
A gente corre mas o fim não vem
O futuro vem no seu tempo
Um passo em falso onde chão não tem
Olho turvo, dor cegante
Caleidoscópio monocor frustrante
Quando procurar alguém pra te proteger do frio
Lembre-se que sozinho vai mais longe, mas vai sozinho

sexta-feira, 6 de março de 2020

Projeção.

Tenho me projetado nos outros. Nos amores dos outros, nos empregos dos outros, na mudança dos outros. Apoio e dou conselhos como se fossem os meus. Ajudo e guio no que posso, na experiência que o tempo me deu e na disposição que me sobra. Cada vitória do outro é uma pequena vitória minha, já que as minhas ainda não chegaram. Projeto minha solidão em todos aqueles que brevemente me estendem as mãos, dando gotas das conversas profundas que a distância me privou de ter. Não quero inundar ninguém com meu fluxo acumulado de pensamentos ou assustar quem só queria saber se tava tudo bem e ouvir um "sim". Porque por mais que muitos se mostrem dispostos, eles não conseguem suprir o que eu preciso, dar um ar mais natural pra que a conversa evolua, construir um ambiente propicio pro esclarecimento. Me contento com as migalhas de uma atenção dividida entre a panela no fogão, a série na tv e as contas pra pagar. Mas me projeto nessas pequenas interações enquanto não acho meu conforto novamente. Meu conforto social, meu conforto financeiro. Ao mesmo tempo, tendo o cuidado de não cair onde eu estava há dois anos atrás, exausto socialmente, tendo crises por me forçar a conversar com outras pessoas. Por outro lado, tudo anda bem, porque a cidade é incrível e o curso é muito mais do que eu queria. Só preciso me cuidar pra conseguir me manter aqui.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Aperto.

O curso tem sido incrível, muito melhor do que eu esperava. O nível dos professores é algo que eu nunca vi em lugar nenhum no Brasil. Profissionais com experiência nos grandes mercados de cinema, muito conhecimento e disposição pra ensinar o que viveram. As matérias, que tem um aspecto prático em sua maioria, são bem diretas e sempre voltadas para a formação de profissionais da indústria do Cinema. É muito maior do que qualquer coisa que eu já produzi, de equipe, equipamento, qualidade técnica, etc. Alguns professores ainda se apoiam na TV e no Cinema como patamar de qualidade, sem entender direito que as formas de consumo mudaram e, consequentemene, a forma de se produzir também. A maior parte do conteúdo audiovisual consumido hoje é em pequenas telas e fora de casa, não existe a necessidade de produções gigantes se o conteúdo for relevante. Mas isso não diminui também a importância de aprender a lidar com essa outra indústria. O aprendizado tem sido gigante e com um potencial ainda maior para as próximas semanas. A cidade não me incomoda tanto, apesar de muito diferente de onde eu morava, e da língua não ser minha nativa, existe muitos lugares diferentes pra ir, muitas experiências novas, e todos, nativos ou não, sempre muito dispostos a entender e se comunicar. A solidão bate bem forte às vezes, pela falta de alguém pra conversar sobre os dramas da vida, as amenidades. A falta da Larissa e dos meus amigos. Vê-los de longe continuando suas vidas é muito doloroso, sabendo que eles estão olhando pra mim e pensando o mesmo. As festas, os aniversários, os rolês em casa, as dificuldades, os momentos de fraqueza, tudo acontecendo isolado de mim, assim como eu estou vivendo meus próprios dramas e eventos por aqui. Estar sozinho ainda dói demais. Acho que não tratei isso o suficiente na terapia, apesar de hoje lidar bem melhor do que há dois anos. Morar com brasileiros tem tornado o processo mais fácil, especialmente a host e meu roommate, muito tranquilos de lidar e sociáveis. Mas hoje, o que tem me derrubado mesmo, é a questão do emprego. Estou completando meu quarto mês sem trabalho, primeiro mês na Austrália. Tenho enviado currículos todos os dias, conversado com desconhecidos na esperança deles terem algum contato ou algo assim, mas nada. Sei que é uma indústria ruim a que eu quero entrar, eu mesmo nunca contrataria alguém sem alguma referência vindo de uma pessoa que eu confie muito, mas é difícil. Mostro meus trabalhos pras pessoas e a resposta que tenho é como ainda não me contrataram, mas os profissionais da área não se deram ao trabalho de vê-lo ainda. Preciso urgentemente de um intermediador que não achei ainda. Enquanto isso, cada pequeno gasto (nunca foram tão pequenos), cada semana que preciso transferir mais dinheiro do Brasil pra me manter aqui, é uma facada no coração. Eu que cresci sem dinheiro algum, que quase tudo que conquistei veio de um esforço direto do meu próprio trabalho, sempre acabei nessa paranóia de não ser o suficiente, de não poder consumir as coisas boas por não serem pra mim. Mesmo entender que estou aqui na Austrália é um grande passo em pensar se mereço ou não essa posição. Daí a falta de uma fonte de renda pesa demais. Não me sinto confortável de gastar 5 dólares num almoço pelo medo de que me vai faltar depois. Daí vem gastos inevitáveis como aluguel, taxas de licença que preciso para trabalhar, etc. Converso com professores, nativos, brasileiros, ninguém tem uma solução boa. Enquanto isso me mantenho diariamente mandando currículos, adicionando pessoas, forçando conversas, que, se não servem pra nada, pelo menos acalma meu peito por estar tentando algo.

sábado, 8 de fevereiro de 2020

Chuva diária.

Tenho chorado todos os dias a tarde desde que começaram as chuvas. Chorado de saudade, chorado de solidão, frustração, insegurança. Chorado de não ter conseguido ainda um emprego, de não conseguir tirar a licença que eu preciso pra trabalhar. Chorado de ver as pessoas que eu amo do outro lado do mundo sofrendo e eu não podendo fazer nada. Inclusive as vezes eu mesmo sendo a causa desse sofrimento. Choro quando penso que a abandonei eles talvez quando mais precisavam. Choro de não poder diminuir e consolar a dor nos momentos difíceis. De não estar disponível para conversar e, mesmo que não ache uma solução, de pelo menos compartilhar e refletir sobre. A casa nova me ajuda um pouco, eles são bem mais amigáveis e sociáveis, já conversei com mais gente em três dias do que nos outros dez que estive nessa cidade. Eles parecem se importar e se esforçar. Mas quem eu sou nisso tudo? Qual o caminho que eu quero seguir? Eu não sei como vou me manter financeiramente, as experiências dos outros não me animaram muito com minhas possibilidades. Não sei se em um ano, quando e se eu voltar, vai ter alguém me esperando. Seja por não estar mais lá ou por não se importarem mais. Eu tinha tudo e precisei ir embora por não conseguir continuar lá. Por não me sentir capaz de segurar a barra que eu segurava. Agora estou aqui e triste por não estar lá fazendo o quê eu conseguia fazer. E aí acaba comigo, ver todo mundo triste, sofrendo e eu aqui triste e sofrendo. Muito alto o preço que eu paguei, muito alto. Eu preciso estar bem, preciso me resolver aqui pra que tudo isso valha a pena. Esse é meu medo, de olhar pra trás e ver que o preço foi alto demais. Que o que eu ganhei, se é que ganho algo, não e nada comparado ao que eu perdi. E eu perdi muito e sou lembrado o tempo todo disso. Cada segundo eu penso sobre as coisas que eu estou perdendo e perco cada vez mais. E nada de ganhar. Só dor e tristeza acumulada até agora. Sei que tem muito pela frente, que eu não posso ter a urgência de resolver as coisas com tão pouco tempo. Mas a dor não tem esperado e tá doendo demais.

domingo, 2 de fevereiro de 2020

Buraco na Tarde.

Esse horário entre 14 e 18 horas é um buraco negro no meu dia. Um vazio gigante de conteúdo e contato. É o horário em que todas as pessoas que eu conheço (que estão no Brasil) dormem o sono dos justos, com seus pesadelos, inquietudes, sonhos e metas. É o horário que um puxa a coberta do outro ou que inconscientemente abraça mais apertado por uns instantes pra saber que está tudo bem. E eu do outro lado do mundo, me isolo da casa que desconheço e finjo estar lá com eles. Começou a chover agora e me sinto um personagem de filme qualquer, escrevendo em seu computador na sala de uma casa que não é a dele enquanto pensa como gostaria de estar em outro lugar. Porque a viagem tem seu propósito, "terminar seu livro" nessa versão ficcional de mim mesmo, mas isso não diminui a dor do processo. Quando todos dormem por aí, é o momento que ninguém mais me responde nas conversas, quando param de atualizar as redes sociais, quando deixam de reagir às minhas coisas. É o momento de isolamento total que eu fugi por tanto tempo e que vou ter que encarar por alguns meses até eu internalizar realmente minha mudança. Porque dói de um jeito diferente, a vontade de chorar não vem com um consolo viável: é isso mesmo, tem que chorar mesmo, não tem o que fazer. Tento ocupar minha cabeça com coisas pra fazer, o que geralmente funciona no resto do dia, mas agora, nesse buraco da tarde, só me deixa mais desesperado. Até quando isso vai durar? Até eu desistir e voltar? Até o processo atual acabar? Até eu me acostumar com cada novo processo e entender que não estou mais lá? Sem trabalho, sem amigos, sem propósito, o preço continua alto demais, a solidão e o silêncio continuam doendo demais. Mesmo durante o resto do dia, todos parecem estar sofrendo da mesma dor sem resposta e sem solução que eu, mas pelo menos nesses horários estamos sofrendo juntos. Posso focar meu esforço em diminuir a dor do outro, consequentemente diminuindo a minha. Agora, no entando, sou só eu, minha dor e a chuva que insiste em tornar o momento ainda mais triste.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Dor que coexiste.

A grande verdade é que eu não me sinto na Austrália. Tipo, a impressão que eu tenho estando aqui é como se eu estivesse em Belo Horizonte resolvendo uma inconveniência que fosse me segurar por um pouco mais de tempo mas em uma ou duas semanas eu estivesse de volta. Tipo, depois que passa um dia ou dois que eu enfrentei a maratona de aeroportos, o efeito não é diferente de passar 15 horas em um ônibus. O desconforto da língua também não difere muito da minha dificuldade inicial de interagir com desconhecidos normalmente. Mais uma vez como se isso tudo fosse só um rolê diferente, como já foi em SP ou em BH. Algo passageiro e pontual e que em breve eu estarei de volta às pessoas que eu amo. Eu não sei o que é viver diferente disso e, depois de um ano me perguntando se estava em negação durante o processo me pergunto de novo se ainda estou em negação do outro lado do mundo. As coisas estão caminhando bem, se resolvendo mais fácil e mais rápido do que eu imaginei. Ainda falta o emprego, ainda estou inseguro com dinheiro. Mas fora isso tá tudo bem. Meus amigos, mais uma vez, ainda sinto como se eu fosse voltar em algumas semanas. Não sinto que será um ano ou mais, não sinto que vou ter que fazer novos amigos pra não ficar sozinhos aqui. O que mais me derruba é a Larissa, que apesar de ter sido fundamental durante todo o processo da minha saída do país, consequentemente se tornou também meu maior ponto fraco. Pensar na distância dela, nos caminhos que vamos ter que tomar daqui pra frente, na mudança dela pra onde ela queria estar, na eventualidade de termos que seguir em frente sem um ao outro, na esperança de nós encontramos depois e isso tudo fazer sentido. Era isso que me fazia chorar em Goiânia e é isso que me faz chorar aqui. Porque é como se vc ganhasse na loteria, tivesse dinheiro ilimitado pra gastar, mas tivesse também um prazo final pra gastar esse dinheiro. E eu sempre comentei como esse prazo nos fez ter uma visão diferente do que é se relacionar. Nos ver ter carinho e empatia pelo processo do outro, respeito pelos limites, apoio e amor. A gente foi (é?) sortudo demais de ter vivido isso. Coisa que a gente nem ouvia falar ou sonhava, de repente se fez possível em um relacionamento onde os dois lados estavam dispostos a falar e escutar. E é isso que me derruba, como algo tão bom pode nos levar a caminhos separados? Como se, caso fôssemos piores namorados um ao outro, ainda estaríamos juntos. Com pequenas sabotagens e chantagens que fariam o outro ceder, mudar de ideia, abrir mão. Não foi o caso, a gente apoiou ao ponto de sangrar a própria carne e estarmos os dois feridos profundamente com a distância, mas no caminho que julgamos ser o melhor. Mas dói demais. Não ter uma briga, não ter um desentendimentos ou chateação pra nos apoiar na separação. Esse último mês foi perfeito de maneiras que eu nem achava ser possível. Ela ajudou a manter minha cabeça boa, ir nos lugares que eu tinha que ir, encontrar que eu tinha que encontrar. Mas era em casa que a gente chorava, sem conseguir consolar um ao outro. De novo e de novo. Sem ter uma palavra de apoio ou esperança que não reforçasse ainda mais a dor da separação. Eu posso estar vivendo aqui o passo mais importante da minha vida, ou estar num mundo fantasioso onde as coisas nem estão acontecendo. Mas esse pedaço ali que coexiste no cérebro e no coração sabe, e dói demais, e dói não do jeito que cura depois, mas do jeito que você acostuma com a dor lá, o tempo todo. Porque tem coisa que não tem como superar, você só convive com o sentimento pra sempre e chora quando tiver que chorar.