domingo, 31 de maio de 2020

Eu não sirvo pra nada.

Tem dia que é mais pesado mesmo. Tem dia que as notícias são mais do que a gente consegue aguentar. Que eu engasgo quando minha vó pergunta se eu tô bem e eu só respiro fundo pra dizer que as coisas aqui estão mais tranquilas que lá, que o povo não tá doente, que a economia está voltando mesmo que eu ainda não tenha achado meu lugar. Mas o mundo tá doente em um nível esquisito. Onde a única resposta válida é realmente colocar fogo em prédio e lutar contra a polícia. Uma luta que eu não consigo lutar. Uma luta que mata só por existir. Lembro quando a Marielle foi assassinada, uma ou duas horas antes da minha terapia. Eu cheguei lá e não conseguia falar mais sobre meus problemas, meus traumas. Porque nada parecia relevante diante da realidade do mundo escroto que me foi escancarada. E isso tudo do alto do meu privilégio de homem, hétero, classe média e branco (nos padrões brasileiros pelo menos). É um tiro que atravessa e estoura a bolha que a gente vive, como outros deveriam fazer sempre. E ali eu percebi que eu não consigo suportar demais, eu preciso entender meus limites. Porque tem muita coisa que está fora do meu alcance e, por mais injusto que isso seja com quem morre, eu preciso continuar vivendo. "Não adianta sobreviver à pandemia se você ficar maluco", tem sido meu mantra e conselhos nos últimos meses, mas tem dia que não tem como. É difícil demais ter que explicar pra alguém que a gente precisa se importar com o outro. Empatia é uma parada que não se ensina, só se demonstra e torce pelo melhor. Eu só posso ajudar quem eu alcanço e, eu juro, que eu tento meu melhor para ajudar o quanto eu posso. Mas hoje é um daqueles dias que eu preciso aceitar que eu não consigo. Que eu não posso acompanhar notícias, não posso me preocupar, porque me destrói. E se eu não me manter são, eu não consigo me ajudar nem ajudar os outros e daí eu não sirvo pra nada.

domingo, 24 de maio de 2020

Combinação.

Se a gente combina tanto desse jeito
Por que a gente não combina de se ver?
Pega o avião que eu vou no primeiro trem
E a gente se encontra no meio

Meio que de improviso, seguro o riso pra não dar na cara
Que por você eu atravessaria a pé o deserto do Saara
O que é um oceano do tamanho do mundo
Pra quem, em um segundo, faz tudo valer a pena?

Pena de quem nunca se sentiu assim.
Pra mim, eu espero o que for preciso
Me diz o que você quer que eu também te digo
Se a gente combina tanto, meu bem,
Por que voce não está comigo?

sábado, 16 de maio de 2020

Círculos.

Que mundo louco para se acordar. 
Até outro dia meu mundo era outro.
Um mundo de pé no chão e portas abertas
Onde o único desconforto era estar parado.
Mas aí eu tentei voar e acabei em uma gaiola.
Pobre passarinho, mal pode ir na janela.

Logo ele se acostuma com suas migalhas.
O tempo passa em círculo 
e é difícil concentrar quando não se está em casa.
Porque nem dentro de casa as coisas parecem seguras

Tento cozinhar para me manter ativo.
Sei o que fazer pra me manter vivo.
Minha cabeça se perde, focada, no processo:
Comer, dormir, quando der, tomar sol.
Repetir de novo e de novo.
Até onde eu consigo?

A gente se conecta como pode
Mas sabe que, lá atrás, a gente já se desconectou.

Nada me tira da cabeça a hora errada de tudo
Péssima hora para o fim do mundo
Quando não tem uma mão ao seu alcance para segurar
São muros invisíveis que me proíbem de sair.
De voltar, nem sei.

Me faltam palavras, mas me sobra tela em branco
Que em vez de inspirarem, cria mais vazio.

Então eu fujo pra onde posso.
Um mundo de fantasia ou uma história que me acolha.
Me alimento de esperança mas me lembra que a essa hora
eram minhas histórias que deveriam estar sendo contadas
Quantos romances, quantas aventuras,
Quantas comédias e dramas esses tempos me privaram?
Mas minhas batalhas são diárias
E continuar já é uma vitória.

Quando durmo, não sonho com um amanhã melhor,
apenas espero mais um amanhã.
Os dias passam mas o futuro não chega.
Quem sabe quando tudo isso passar.
Quem sabe quando tudo isso vai passar?