sábado, 29 de dezembro de 2018

Família.

Um dos principais desafios para esse ano foi entender qual era enfim meu conceito de família e como eu me encaixava nisso tudo. A referência das propagandas de margarina estavam longes demais da minha experiência pessoal, mas longe de mim ser enganado pela mentira da publicidade, logo eu maior defensor da verdade parcial que paga minha contas, mas mesmo o que eu observava em minha volta ainda estava longe do que eu tinha vivido. A distância era a palavra-chave, distância majoritariamente geográfica e distância emocional quando analisada mais de perto. Como se tivesse nascido em um lugar que não estava preparado para me receber (e sendo hoje mais ou menos da idade que meus pais me tiveram entendo que nós adultos sabemos muito menos sobre o mundo do que minha própria versão infantil imaginava). A ausência de certos comportamentos e exemplos que eu julgava necessários me fez procurar em outros lugares valores e modelos que se adequavam melhor ao que eu entendia como caminho. E a própria contraposição ao que me era apresentado surgiu como um guia moral e ético muito forte durante minha formação. Disso tudo me encontrei como família na relação com meus amigos, o mais próximo de confiança e inspiração que eu achei. Mas adentrando os labirintos de minha cabeça (um que eu tateei em busca de uma saída em algum texto do começo do ano) encontrei que não estava muito certo se esse caminho era o que eu precisava. E agora, com a cabeça pronta para encontrar padrões e as respostas que procuro, vim mais uma vez passar as festividades de fim de ano perto deles que são minha família de sangue e batismo cristão, mais até do que a outra família de sangue e batismo cristão da qual a distância é ainda mais marcada. E, com o olhar mais atento pude perceber os padrões familiares (com perdão do trocadilho) em toda e qualquer família. Os primeiros dias foram surpreendentemente tranquilos, sem grandes embates ou emoções, mas estando aqui um pouco mais que o habitual, consegui presenciar a personalidade de cada um escapar em pequenos momentos dentro da grande celebração das boas festas que vivemos. Momentos bons e ruins, embates e carinhosos que mostram os humanos que existem em nós, e, dessa vez, mostram também as relações de pais, filhos, irmãos, cunhados e tudo o que o Manual da Propaganda de Margarina diz para mostrar ou esconder. E pude então reconhecer uma família, minha família, mesmo que eu mesmo como expectador consciente do processo tenha escolhido não entrar em embates políticos ou pequenos dilemas. Uma família da qual faço parte e sou muito bem vindo, principalmente quando em pequenas doses como mediador ou incentivador. Uma curva na rotina de uma família que, como todas as outras, se ama mas está cansada de si. Um catalisador de momentos diferentes, um apaziguador de ânimos e um alívio de tensão. Meu papel é estar distante o suficiente para não se desgastarem de mim e comigo, mas próximo o suficiente para manter-me presente. A distância geográfica cai como uma luva em uma mão desgastada, mas hoje entendo o que tenho. Uma família, só mais uma. Com seus desvios de caráter e pequenos prazeres, com sua cobrança e retorno desproporcional. Cada um fazendo sua parte para buscar um pouco de significado em uma vida sem guia, apoiando-se no grupo que o acaso nos ligou. E eu, hoje, me entendo melhor parte disso, pois entendo melhor o que é "isso" do que faço parte. E, honestamente, é bom me sentir parte de algo.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Bom garoto.

Lembro de acordar ansioso pelo presente que me esperava no andar de baixo. Tinha sido um bom garoto, com notas boas e muito educado. Ajudei meu irmão com o dever de casa e velhinhas a atravessar a rua. Dividi meus brinquedos com meus coleguinhas, ensinei o que eu sabia sobre o céu e a lua. Rezei pros astronautas não se perderem no espaço e pro meu cachorro fazer xixi no lugar certo. Superei meu medo de palhaço e não saí nenhuma vez deixando o portão aberto. Ajudei minha mãe a cozinhar quando podia e andei de bicicleta sem rodinha. Brinquei de queimada com meus amigos mas sem jogar a bola muito forte nas meninas. Não chorei (muito) quando arranquei meu dente, e o dinheiro no travesseiro eu dei pro meu irmão de presente. Pois na boca dele, banguelinha, ia demorar muito pra nascer e ele precisava começar a economizar pra ter quando crescer. Ouvi meu pai falando que o ano foi complicado e que o Natal seria um pouco mais magro que no ano passado. Daí listei todas essas coisas e escrevi pro Papai Noel que ficava no shopping aqui do lado. Contei pra ele do meu irmão, do meu pai e do meu dente. Contei também da escola, da rodinha e do presente. Acordei hoje cedo e encontrei o que eu queria na sala de estar. Minha família reunida me esperando acordar. Minha mãe levando panquecas para frente da tv, meu irmão deitado no seu colo ainda sem entender. O chocolate quente esquentando minha mão, meu pai escolhendo algo pra ver na televisão. Puxei a coberta e me estiquei no sofá, tinha tudo o que eu queria, o que mais eu ia sonhar?

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Sentir.

Quem diria que eu ia terminar o ano com um desafio? Algo tão grande que nenhum treino me preparou. Memória muscular ou deslocamento geográfico não ajudarão em nada. Querendo ou não me preparei o ano inteiro para enfrentá-lo, até porque passei o ano todo negando o problema. Negando não, não entendo sua existência ou como resolvê-lo. Quando me mostram então uma possível causa, uma origem que vem lá de onde eu fujo e do que eu nego, daí deixa de ser um mero problema e passa a ser um desafio de superá-lo. E o caminho é para dentro: achar em mim as respostas nos lugares não-familiares. Superar os traumas e palavras proibidas, deixar de lado a segurança, entrar de cabeça em identificar os traços e erros. Eu consigo, talvez já teria conseguido se tivesse entendido antes. Identificar a origem (ou parte dela) foi essencial. Pois se a coerência com o que eu prego e acredito for colocada em teste por algo, esse algo precisa ser resolvido e superado. Não tenho medo de tentar, até porque não tenho nada a perder e, quando me coloquei em processo, concordei que estaria disposto a tudo para colaborar. Não vou lutar contra minha própria evolução, e quando a barreira pareceu alta demais talvez seja a hora de pegar distância para o pulo. Eu sinto que vai dar certo.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Porta.

Eu nem lembro mais a quanto tempo está aberta, ela sempre esteve assim e eu não me incomodei de fechar. Eu também sempre estive aqui, falando com quem quisesse ouvir, recebendo quem quisesse entrar. Os mistérios sobre mim organizados sobre a mesa, minhas inseguranças escancaradas, meus desejos mais internos e minhas falas complicadas. O livro não estava aberto, mas estava escrito em linguagem fácil e colorido, pra quem se desse ao trabalho de folhear. E se o desenho na capa não é tão bonito, o conteúdo é simples de relacionar. Nunca me senti confortável em obrigar, convites parecem mais justos, quem tiver interesse em ficar, será bem recebido sem custo. Mas a porta aberta traz uma consequência, que nenhuma ciência há de explicar, que quando a estadia não agrada a porta está aberta pra quem não quiser ficar. E assim, me faço período, percurso, momento na vida do outro. Do meu canto um esforço gigante em me fazer relevante. Pois se a passagem por aqui valer a pena, ela traz volta, até que chegue então a hora de eu me levantar e trancar a porta pelo lado de fora.