sexta-feira, 27 de julho de 2012

Reunião, 8 da manhã.

Ele não gostava de café, mas mesmo assim segurava um copo cheio enquanto observava as pessoas conversando na sala de reuniões. O calor do copo o deixava acordado, mesmo o cheiro não o agradando muito. O chefe entrou e todo mundo foi se ajeitando nas cadeiras em volta da mesa, como tinha muita gente na empresa, ele já encostou em uma parede desistindo de lutar por um lugar. O chefe parecia abatido e começou em um tom pesado: "Sei que há uma conversa nos corredores sobre o futuro da empresa. Que vocês comentam andamos mal das pernas, que a atual diretoria está perdendo o controle e abrindo as pernas pro mercado. Sei que vocês acham que nosso tempo já passou, que viver de glórias passadas é burrice. Nós frequentamos os mesmo corredores, nós temos ouvidos. Nós também temos coração. Quando eu assumi, pegando toda a responsabilidade deixada pelo meu pai, despreparado e sendo obrigado a tomar as rédeas da família, eu fiz o meu melhor para me preparar e não passar meus medos e inseguranças para vocês. Por muito tempo funcionou, estivemos em alta por quase doze anos. Aí tudo começou a desandar, fui inocente, acreditei em que não devia ter acreditado, deixei chances passar e, pior de tudo, não chamei a responsabilidade pra mim. Hoje, reuni todos vocês pra, antes de mais nada, pedir desculpas. Desculpas se não entreguei a vocês a empresa que todos sonhavam em trabalhar, desculpas se não estive lado a lado de vocês para ver em que poderíamos mudar e me desculpem, por não saber o nome de cada um de vocês sentados comigo hoje. Um plano de recuperação foi armado nesta manhã, para ver se conseguimos voltar essa empresa, mas confesso que não tenho muitas esperanças. Se não funcionar, temos reservas suficientes para acertar todas nossas pendências com vocês, então não se preocupem. Podemos encaminhar vocês para empresas parceiras, ninguém ficará desamparado. Temos dois meses para colocar essa empresa em pé novamente e, para isso, precisamos que vocês se dediquem e acreditem em nossa causa. Estamos dispostos a mudar. Queremos voltar a ser o que éramos..." Ele olhava o chefe mas não tinha acompanhado uma palavra. O café não resolvera o problema do sono, talvez porque não tinha tomado nada. Seus colegas de trabalho pareciam preocupados. Cutucou o Carlos com o pé e cochichou: "Cara, eu meio que cochilei aqui, o que eu perdi?", Carlos só olhou de volta sem saber o que dizer.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Direto de Direita

Ele tinha tido sua chance e deixou passar. Não por descuido, não por negligência, mas por realmente não estar interessado. É diferente de quando você é impedido de conseguir algo, na verdade ele teve nas mãos e cuidadosamente colocou de lado como se coloca um livro que você nunca teve a intenção de ler.
Mas como toda criança mimada e egoísta, ao ver que o brinquedo que não queria era cobiçado pelas outras crianças, ele quis de volta. Brigou, deu chilique, fez chantagem emocional até lembrar a todos que independente de onde está, aquele brinquedo era dele. Mais uma criança aprendia a dura lição de que o mundo é cruel, principalmente se você for cruel com o mundo. Mais uma criança aprende que o mundo não se importa com você. E longe de ser vítima, ele era o principal culpado. Ele mesmo não tinha se importado muito até então.
O problema é que a ferida no ego é como um corte na ponta do dedo, que insiste em te lembrar que está lá mesmo quando você se esforça pra esquecer. Se nesse caso o ego era o próprio eu por completo, ele foi atingido em seu ponto mais fraco, seu todo. Atingido não pela destreza e habilidade do inimigo, mas por ter escolhido virar as costas.

sábado, 7 de julho de 2012

O Rei da Selva

Ele passou na frente da loja de fantasias e ficou intrigado com uma roupa de leão. Não era muito bem costurada, nem se parecia muito com um leão, mas o básico estava lá: juba e rabo. Entrou na loja, pediu pra moça embrulhar, pagou e foi pra casa. Não quis experimentar por medo do que a atendente ia pensar. Chegou em casa, colocou a roupa e ficou se admirando no espelho. Ele era o Rei da Selva. Poderoso. Perigoso. Respeitado. Transava todas as leoas, era o primeiro a comer as zebras que caçavam. Andava pela floresta e todos desviavam o olhar de medo. Sentou no sofá, ligou a tv no NatGeo que estava passando uma série sobre mistérios sobrenaturais. Passou para o Discovery Channel que explicava o funcionamento de uma daquelas máquinas com gancho que pegam ursinhos de pelúcia. Nada de leões. Pensou em ver uns documentários online mas a internet estava cortada há duas semanas por falta de pagamento. Deixou a tv ligada numa novela e foi pegar uma cerveja no congelador. Era legal observar seu rabo arrastando no chão, serpenteando entre o lixo e as roupas sujas. Era a última cerveja. Também era a última coisa que tinha em sua geladeira, junto de um embrulho de papel laminado que estava lá a tanto tempo que ele já nem o percebia mais. Pegou a cerveja, voltou pro sofá. No fim do rabo tinha uma parte felpuda que ele começou a passar levemente sobre o nariz, fazia cócegas. Não lembrava da última vez que alguém tinha feito cócegas nele. Na novela, um grupo de jovens desciam o morro rumo a uma praia deserta. Procurou o telefone pra ligar para um amigo, ver o que tinha pra fazer, mas o telefone estava longe demais do sofá. Era bem quente essa roupa de leão, e talvez estivesse começando a pinicar também. Tentou se coçar por uma abertura na parte de trás da roupa e derrubou sua cerveja, não teve força nem pra soltar um palavrão. Pensou em ligar pra sua mãe, contar que tinha comprado uma roupa de leão. Enxugou a cerveja no chão com a parte reforçada do solado da fantasia e foi até o telefone. O telefone não deu linha.