quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Deriva.

O vazio é o que mais incomoda. O buraco na rotina. Um membro-fantasma que dói só para chamar atenção para sua ausência. A dependência física e psicológica é um quebra-cabeça incompleto que você precisa aceitar que está faltando peças. Estão perdidas debaixo de tapetes ou dentro do sofá. A conversa casual que fazia o ponteiro rodar não pode ser substituída porque nenhuma outra conversa é casual. Tudo tem objetivos e motivações. E o tempo é o que não passa, porque só ele mesmo que tem que passar. Livros, filmes, séries, festas, trabalhos, amigos, jogos. Tudo em câmera lenta como se me puxasse para fora do palco e dissesse "você não está pronto". E nunca vou estar, a gente só se acostuma e toma coragem pra continuar apesar dos medos, apesar do despreparo, apesar do vazio. É o castelos de cartas que desmorona quase no fim. Não só desmorona, pega fogo e de repente não há mais cartas. O fogo queima sua mão. Você respira fundo e pensa se quer mesmo recomeçar. Você viu seu objetivo tão próximo e já não sabe se compensa passar por tudo de novo para chegar em um lugar que não era aonde você queria. Tem dia que bate mais pesado mesmo. O silêncio fala mais alto que o fone de ouvido. O eco reverbera as palavras não ditas, os fatos não feitos. Como dói. A lágrima cai fácil e inesperada, tudo é gatilho. Um tiro doeria menos. O consolo é saber que sobreviveu até aqui, de momentos piores, tudo isso vai passar. Não hoje, nem amanhã, mas vai. O vazio se preenche com outras coisas, a ausência de torna menos presente e menos notada. Enquanto isso o barco flutua a deriva, torcendo pra que o vento não bata nem que nada o afunde. O sol queima e o sal desidrata. Mas a terra chega pra todo náufrago.

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Relatividade.

Não sei quando foi
que o tempo começou a passar diferente,
mas sei que de repente
as horas não eram mais as mesmas.
E mesmo que eu ocupe a cabeça,
peça aos céus que algo aconteça,
a hora está mais devagar.
Divago sobre o motivo,
sobrevivo cada minuto,
mas a hora seguinte demora a chegar.
No meu peito, mora a angústica,
a perspectiva vive perdida,
porque a dor mais doída
é a espera de algo que não vai voltar.
Preencho as lacunas com linhas e colunas,
tentando ocupar o tempo que sobra.
Mas as sobras, migalhas de um outro momento,
ganham a atenção
como um ponto preto em uma superfícia branca.
A gota de sangue estancada segura a sangria a cada dia.
E quando os olhos fecham finalmente
em pesadelos consecutivos,
É breve o descanso pela frente
É longo o tempo de mais um dia.

terça-feira, 3 de outubro de 2017

Nostalgia.

Eu julgava a nostalgia uma ferramenta fácil para atender uma geração que não se acostumou a ter seus brinquedos tirados de si. Estampamos nossos gostos infantilizados em camisetas e prateleiras, e somos convencidos por qualquer coisa que tenha um gostinho de infância. O remake ou uma continuação de um filme que gostávamos, um produto que traz de volta a embalagem dos anos 90. A nostalgia como argumento de vendas sempre existiu e quando você trabalha com publicitário, algumas cordas do sistema parecem visíveis demais.
Crescendo na cidade, nunca entendi muito bem aquele carinho que as pessoas tem pelo interior do país e as comidas da roça e mesmo os melhores aspectos da minha infância eram muito bem quistos como memória mas não entendidos como saudades ou vontade de voltar para uma época X ou Y.
Mas foi recentemente que a Nostalgia ganhou um aspecto diferente da minha vida, me mostrou lados que eu não conhecia e que me fez entender melhor o sentimento geral das pessoas. Foi quando, em crise, um instinto me fez procurar um lugar seguro e me transportou para a infância. Por uns minutos novamente eu tinha 6/7 anos. Sem nenhuma preocupação a não ser conseguir dormir, e foi o que eu fiz. Horas acordado em pesadelo lúcido resolvidos nos primeiros acordes de uma canção de ninar ou conto de fadas.
Sem ter consciência do teletransporte temporal que minha mente é capaz, ativei sem querer e entendi novamente esse meu super poder. A crise era outra, o momento era difícil e, por outros motivos, revi uma história que gostava muito há uns anos atrás. De repente, era eu novamente com vinte e poucos anos, sem as preocupações e problemas atuais, revivendo um breve momento de tranquilidade. Aquilo me sugou da neblina que vem cobrindo meus dias e me mostrou uma saída. Ainda que distante, é importante saber que ela existe.
A nostalgia então, mais que um mero capricho de pessoas que insistem em não envelhecer, ela é um lugar de conforto. Um porto seguro em um mundo desconhecido e cada vez mais perigoso. As mudanças não se mostraram boas até aqui, então encontrar um rosto conhecido nas telas, prateleiras e vestuário nos leva, mesmo que inconscientemente, para um momento onde as coisas eram mais simples.
Claro que o passado também tem suas armadilhas e os momentos felizes chegam como socos no estômago de quem não poderá repetí-los, mas se apegar ao que te fez bem é um começo para quem está buscando novas memórias para o futuro.