quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Meu melhor amigo Werther.

Terminei de reler Os Sofrimentos do Jovem Werther, um dos livros que mais li na minha adolescência e que tanto fez sentido em momentos de desilusão amorosa. Ler hoje, mais maduros e principalmente com ideias mais claras sobre relações abusivas, me traz um receio muito grande no tipo de reforço que esse livro pode trazer pra adolescentes. Diz a história que o número de suicídios entre jovens na Europa aumentou consideravelmente depois da publicação desse livro, um fenômeno interessante de um momento séculos antes da internet, das redes sociais, do Tumblr e dos desafios da baleia azul.
Mas é difícil demais não se identificar com a história do jovem que vai para o campo em busca de inspiração para uma vida vazia e lá conhece uma pessoa que atende todas suas demandas e sonhos, para depois descobrir que ela está noiva de outro. Vemos o sentimento de Werther crescer a medida que a convivência dos dois aumenta, até chegar no caso extremo dele precisar se afastar por não conseguir estar perto dela sem ter ela como amante. E Charlotte, ou Carlota dependendo da versão do livro que você lê, sempre gostou muito de Werther. Ele era uma pessoa erudita, de conversa fácil, muito carinhoso com ela e com os seus vários irmãos que ela cuidava desde que a mãe morreu. Mas o amor, ou o desejo de se relacionar, não é um campeonato onde se acumula pontos e ganha o direito de vivê-lo, e Albert, seu noivo, também era uma pessoa boa que fazia muito bem para ela e sua família.
Durante o livro, vemos Werther entrando em um labirinto próprio que dificilmente conseguiria sair, principalmente em um momento onde terapia e psicologia mal existia nos livros. Não conseguimos saber quão reais são as características de Charlotte, já que estamos sempre vendo o ponto de vista de Werther em suas cartas para o amigo Wilheim (Guilherme em algumas traduções!!!). Mas mesmo do ponto de vista dele, vemos que Charlotte sempre foi muito respeitosa com seu relacionamento e que Werther se prendia nos pequenos gestos para alimentar seu sentimento. Por diversas vezes, ele se passava horas admirando objetos que ela havia tocado.
Quando adolescente, consegui me ver em muitas das atitudes dele. O que mais me chama a atenção nessa relação é a ideia de injustiça ao não ter sentimentos tão intensos correspondidos. Como que alguém que está tão disposto a fazer tudo que a outra pessoa quer e precisa pode ser descartado com tanta facilidade? Como alguém que é querido, não odiado, não menosprezado, pode ser descartado como interesse romântico? Mesmo em seus últimos momentos, Werther ainda não entendia isso. Ainda buscava em cada momento de afeição, cada demonstração de carinho, como um sinal de posse e entrega de Charlotte para si. O respeito e admiração que nutria por Albert alternavam-se com um ressentimento gigante por ele ter sido o escolhido para estar ao lado dela.
Mesmo com os olhos atuais, onde existe uma certa responsabilidade em alimentar um sentimento alheio não correspondido, Charlotte seria aprovada com louvor. Suas ações eram verdadeiras e bem intencionadas, inclusive em buscar se afastar de Werther quando entendeu necessário. Já Werther usava da sua personalidade e educação para buscar meios de estar na presença dela, criar situações que os aproximavam e, por fim, criar nela a culpa pelo seu fim trágico. Não uma culpa de chantagem, mas um entendimento de que eles só poderiam estar juntos em outro plano e por isso ele estaria lá esperando por ela.
O comportamento de Werther hoje me traz vários alertas e vejo como inconscientemente me tornei meu chará Wilheim. A busca por apoiar, achar soluções, propor saídas e incentivar as artes daqueles que amo e que buscam ajuda felizmente me aproximou mais do receptor das cartas do que seu autor. Entendo a dor do meu amigo Werther, mas não alimento-a e, acima de tudo, não apoio os meios que ele usa para lidar com ela. Mas tudo que posso oferecer são sugestões, conselhos baseados nas minhas experiências e na minha observação do mundo.
Sofro pelos jovens do século XIX e do século XXI que não tiveram pessoas ao seu lado para ajudá-los com seus dilemas e agradeço quem esteve ao meu lado e quem contou comigo. Chorei por diversas vezes lendo o livro e pensando por quantas vezes outras pessoas passaram por aquilo e não conseguiram enxergar os próprios erros e caminhos de volta. A internet traz acesso a redes de apoio mas também ensina e incentiva o mal, assumo aqui, bem mais consciente, meu papel de Wilheim. Que eu possa fazer o que ele não conseguiu.

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