segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Desaprendi.


E eu que desaprendi a escrever? Não como um idoso com alzheimer que não consegue mais repetir a técnica, ou um jovem disléxico que vê no dicionário um difícil labirinto, eu só não consigo mais. A inspiração, muitas vezes forçada numa funda respiração, agora nem debaixo d'água parece em encontrar. E quando me forço, faço força e me esforço, o produto final vem tão sem alma que é eu prefiro enterrar. Mais que um arquivo na lixeira, eu já apago a informação dentro dele praquele texto não voltar pra me assombrar. E as ideias, que vez ou outra ainda insistem em pipocar em versos, conceitos ou frases de efeito, somem ao menor sinal de distração. Refaço o caminho, tento reconstruir o pensamento, mas quando chego no mesmo ponto olha para um muro vazio que eu tinha certeza que tinha alguma coisa a última vez que passei. A caneta tem sido mais minha companheira que o teclado, porque o teclado é volátil e a caneta me impede de simplesmente apagar e esquecer o que estava pensando. E a vontade é essa. A gente escreve e lê tanta bobagem por aí que não sobra tempo pra se expressar. Nos pequenos tweets, nos textões do whatsapp, nas discussões do bar e nas brigas por telefone. O que sobrou para a literatura? Nada. Galopei no velho oeste e viajei no espaço sideral com o mesmo vazio em que peguei metrôs e encarei minha tv. A gente se expressa por esporte e esquece que pra alguém aquilo significa alguma coisa. O conceito que gerou uma epifania, o texto que fez chorar, a frase que inspirou a continuar. Tudo está aí, num mar de informações, pra que alguém pesque em algum momento. Mas eu me afastei. Não consegui acreditar mais no que eu dizia. Os mundos inventados não se valiam nem como metáfora. Era tudo tão oco, tão plástico, que eu nem queria mais assinar. E a mesma facilidade que a prosa virava verso, ela se perdia num mundo de bits num simples deletar dos dedos. Mas quem decide quem é poeta? Quem decide que é escritor? Cadê o teste de talento pra validar quem pode e não pode publicar? Se às vezes você quer um americano na lanchonete e mas depois você quer voar pelas estrelas em um foguete individual, não sou eu quem decido o tamanho dos seus sonhos. Eu só quero reaprender. Sem alarde e sem cobranças. Quero a confiança pra poder voltar ao jogo. Quero perder a mecanicidade, conseguir seguir o fluxo de ideias, sem cobrança, só deixando fluir. Mas desaprendi e, cara, tem feito uma falta danada.

Um comentário:

  1. As vezes eu passo por um sentimento parecido. Lembrar pra mim mesmo que "eu escrevo" e tentar sentar para escrever alguma coisa, já que "se escrevo bem, logo posso escrever". Porém, é inebriante a sensação de encarar a folha de um papel em branco, de uma tela de word aberta, perpassar o lápis (ou o mouse) de um lado para o outro e encarar o vazio. E sei lá, não é como se não escrevesse tanto a todo tempo. Me questiono do por que ter conseguido me treinar tanto para escrever "outras coisas", mas na hora de escrever o que eu realmente quero tenho que encarar a folha em branco, como se tivesse me anulado em minha própria vida involuntariamente (ou voluntariamente talvez?). Branco, porém no sentido oposto de "claridade" e "iluminação" que a cor pode representar muitas vezes nas diversas metáforas que representa. Nessas horas, infelizmente, só sinto que a "folha" em branco é só vazio. E só a gente sabe que o vazio dentro de nós mesmos pode ser escuro e fundo. Acho que é o único momento em todo o universo em que o branco é preto.

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