quarta-feira, 1 de julho de 2015

Contato.


Ele tentava inutilmente equilibrar um livro rodando-o sobre o dedo. Ela observava de longe, rindo discretamente para não chamar a atenção. Ela não sabe se ele lembrava que eles se conheciam, tinha morado no mesmo condomínio na infância e desde aquela época ela mantinha um fascínio por ele. O jeito meio estabanado e distraído dele sempre o colocava em grandes encrencas, como a vez que ele foi pego de madrugada pijamas pulando o muro do vizinho dizendo que tinha deixado sua bola mágica cair no outro lado. Coisa de criança. Enquanto a vizinhança ria do menino avoado da casa de esquina, ela, mais nova que ele, sonhava em um dia também ter uma bola mágica. Pouco tempo depois a família do garoto se mudou e eles nunca mais se viram. Até aquele dia, uma terça-feira a noite, voltando do metrô. Ela lia uma revista dessas de dicas de relacionamento quando um barulho a chamou atenção. Um sujeito deixara seu livro cair. Era ele, impossível não reconhecer o nariz levemente torto e a cara de avoado. Ele continua tentando equilibrar seu livro, meio sem jeito, como uma bola de basquete. Ela ficou pensando como as coisas poderiam ter sido caso sua família não tivesse se mudado. Viu eles crescerem juntos, brincarem. Ela roubando o primeiro beijo dele, que até então não tinha notado que ela gostava dele.  Eles de mãos dadas no colégio, as pessoas rindo dos dois. Ela saindo apressada com seu fichário, com vergonha, deixando ele pra trás sem entender. Ela percebendo que ele tinha ficado parado e voltando pra puxá-lo pela mão do meio do pátio, onde todos ainda riam deles. Eles, agora um pouco mais velhos, indo no cinema pela primeira vez, assistindo um filme bobo que a fizera chorar sem parar enquanto ele não sabia como reagir àquela situação. Ele ajudando ela a estudar para o vestibular. Ela ensinando ele, já mais velho, a andar de bicicleta. Outro barulho chama sua atenção. O livro cai de novo, ele se levanta sem jeito pra buscar o livro distante, já guardando o livro dentro da mochila e se preparando para descer. Ela toma coragem, desliga o iPod e vai falar com ele. 
"Oi, Flávio! Lembra de mim? A Fernanda que morava no Condomínio do Parque?", ele olha pra ela meio confuso mas logo abre um sorriso e a abraça. "Claro que lembro! Por onde tem andado, como vão seus pais?", ela começa a contar sobre a separação e que ela tinha se formado em odontologia, que estava trabalhando a duas estações dali, mas ela a interrompe e se despede: "Eu desço aqui, mas que bom te ver! Vamos manter contato!".

Ela sorri mas seu sorriso vai diminuindo com o afastar do metrô. Ele parecia ainda ser um garoto legal. Quem sabe outro dia?

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