segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Sobe.

Tinha tempo que eu não entrava em um elevador com ascensorista. Sempre me perguntei se existia a necessidade de um profissional pra organizar qual pessoa vai para qual andar. Cinco mil anos de sociedade e precisamos de alguém para apertar botões pra gente. O homem evolui e vai ficando cada vez mais preguiçoso. Vendemos nossa alma para aplicativos de celular que adivinham o que nós queremos para pensarmos cada vez menos. 
- Sobe.
O elevador parou para um casal. Eles estavam com aquela cara de quem brigava mas foi interrompido pela chegada do elevador. Ela tinha cara de choro, ele tentava não demonstrar seu mau humor. Me encostei num canto mais distante para dar espaço aos dois. Fiquei pensando onde minha esposa estaria naquele momento. Deixei ela dormindo mais cedo, a essa hora ela provavelmente está começando a fazer nosso almoço.
- Sobe.
De novo o ascensorista anunciou, agora para a entrada de um garoto bem magro. Ele vestia uma camiseta de super-herói com um boné maior que sua cabeça, que escondia cabelos ralos. Um garoto tão frágil não deveria estar andando por aí sozinho. Pensei em puxar assunto, perguntar se ele gosta de quadrinhos. Eu costumava carregar uma edição do Homem-aranha comigo quando era mais novo. Sempre que passava por algo difícil eu a relia e pensava como ter super-poderes resolveriam todos meus problemas. Mal eu sabia que os vilões eram só metáfora para os desafios que a vida oferece. 
- Sobe.
Uma senhora chorando muito entrou. Ela rezava baixinho um terço, em outra língua que eu não entendia direito. Ajeitei meu corpo para que ela coubesse entre nós quatro mas ela se encostou na gente sem grande cerimônia. Comecei a estranhar um pouco a demora para chegar.
- Sobe.
O elevador parou mais quatro vezes, entrou duas garotas que pareciam estar voltando da escola, um senhor com ar italiano sorrisão que tentava inutilmente achar sinal em seu celular e um sujeito de terno e gravata que parecia ter pressa. Estava preocupado com o espaço mas todos se acomodaram de forma confortável lá dentro.
- Sobe.
Antes que uma família com dois filhos pudesse entrar de novo no elevador, resolvi me manifestar.
- Ô, amigo! Falta muito ainda para chegar? Não é possível que ainda vai entrar mais gente nesse elevador.
Todos me olharam como se falar alguma coisa fosse a pior coisa que eu poderia ter feito. Nunca me arrependi tão rápido de algo na vida. O ascensorista olhou pra mim e sorriu, enquanto as pessoas cochichavam entre si.
- Você não sabe? Já vamos chegar, senhor?
O que é que eu não sabia? Voltei para o meu canto, contrariado com meus colegas de elevador me julgando calados. Estava irritado, já tínhamos subido quarenta ou cinquenta andares e nada. Não é possível que dirigi mil quilômetros para isso. Será se tranquei meu carro? Não consegui puxar na memória onde eu tinha estacionado ele. Na verdade, não lembro direito nem de ter entrado nesse prédio. Para onde eu estava indo mesmo? Estou ficando maluco, sabia que não devia ter tomado aqueles remédios antes de dirigir. Comecei a suar, apesar do forte ar condicionado no elevador. Ninguém mais parecia incomodado com tudo aqui. Afrouxei minha gravata. Onde eu tinha parado meu carro? Pensei, pensei. A única coisa que conseguia lembrar era de aumentar o som do carro na estrada. Como era o hall de entrada? Onde eu estava antes de entrar nesse elevador? O carro, foco no carro. Eu estava dirigindo. Fui aumentar o som do carro. Quando olhei novamente, um caminhão fora da sua pista, o farol me cegou e…
O elevador parou. Uma luz forte me impedia de ver lá fora. Todos foram descendo calmamente. Meu rosto suava. O ascensorista sorriu novamente.

- Chegamos.

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